Companhias abertas

CVM regulamenta assembleias gerais 100% virtuais

Coronavírus impediu que acionistas se reunissem até o final de abril; MP ampliou prazos

Crédito: Pixabay

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou norma que regulamenta a realização de assembleias gerais de companhias abertas de forma 100% virtual, na esteira da MP 931, que possibilitou os pleitos digitais em razão da pandemia do novo coronavírus.

De acordo com a CVM, o objetivo da norma foi garantir que as assembleias digitais seguissem as mesmas regras de uma assembleia virtual, sem prejudicar a proteção do acionista.

Na audiência pública, a CVM acatou alguns pedidos de entidades participantes do mercado. Dessa forma, a autarquia garantiu que administradores e pessoas cujas presenças sejam obrigatórias nas assembleias consigam participar à distância nas assembleias realizadas de modo parcial ou exclusivamente digital

Segundo o texto da norma, com a realização da assembleia 100% digital, os acionistas poderão participar e votar por meio dos sistemas eletrônicos, sem prejuízo do uso do boletim de voto a distância como meio para exercício do direito de voto.

Mesmo com algumas críticas, a CVM manteve a opção de não interferir no modo tecnológico pelo qual a assembleia será realizada, passando a responsabilidade de escolha da plataforma, por exemplo, à companhia.

Além disso, a CVM possibilitou a realização de assembleias presenciais fora da sede da companhia, desde que sejam híbridas (presencial e virtual).

“O objetivo, com essa solução, foi criar mais um incentivo para as companhias adotarem os sistemas eletrônicos, conferindo uma alternativa de acesso facilitado aos acionistas, que, não podendo ou não querendo se deslocar para o local da assembleia, possam participar da reunião de modo virtual”, explicou diretor Gustavo Gonzalez, idealizador do texto na CVM,

Em outra frente, o regulador do mercado de capitais permitiu que a mesa diretora da assembleia participe remotamente. “Não faz sentido exigir a participação presencial de qualquer pessoal em uma assembleia realizada exclusivamente de modo digital – uma vez que, com o perdão do truísmo, a reunião transcorre integralmente no ambiente virtual”, disse Gonzalez.

Já no caso de assembleias híbridas, a CVM eventualmente pode concluir pela necessidade de revisão da regra, de modo a passar a exigir que, nesse caso, ao menos o presidente e o secretário participem presencialmente.

“Na nova instrução, optamos por ser bem flexíveis, permitindo que, em uma assembleia híbrida, possam participar a distância rigorosamente todos os participantes. Penso que a decisão foi acertada, mas tem caráter experimental”, ponderou o diretor.

Medida Provisória

A Instrução CVM 622 foi preparada em função das alterações introduzidas na Lei das S.A. pela MP 931.

Era previsto que as assembleias acontecessem, em sua maioria, até o fim de abril. Mas, dada a impossibilidade de aglomeração, a MP possibilitou a realização dos pleitos em até sete meses contados a partir do fim do exercício social da empresa, que pode ir de 31/12/2019 até 31/03/2020.

De acordo com o diretor Gustavo Gonzalez, caso a MP não seja convertida em lei, ou o texto seja alterado de modo significativo no processo de conversão, é possível que a CVM tenha de atualizar o normativo.

“Contudo, acredito que era muito importante que a CVM editasse essas regras no menor tempo possível, e tenho para mim que conseguimos dar uma resposta muito satisfatória, especialmente à luz das circunstâncias”, considerou o diretor.

O diretor comentou também o PL 1174/20, de autoria do senador Flávio Bolsonaro, que dispõe sobre a realização de Assembleias Gerais de Acionistas e Reuniões de Sócios com possibilidade de votação e participação a distância, por meio da internet.

Para Gonzalez, o texto precisa de alterações. De acordo com o diretor, uma lei não deve entrar no nível de detalhe tecnológico que as empresas devem seguir, na linha do que foi escolhido pela CVM.

O projeto faz referências, por exemplo, a registros eletrônicos que sigam os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP).

Por outro lado, para o diretor, uma eventual reforma poderia avançar em temas importantes. Como exemplo, ele cita a chamada “data de registro” (record date), ou seja, aquela em que se deve verificar se o acionista é titular de ações para poder participar das assembleias, e o regime jurídico do presidente da assembleia.

“São temas, a meu ver, extremamente relevantes e que merecem um debate cuidadoso”, concluiu Gonzalez.

Visões

No entendimento da advogada Ana Paula Reis, do BMA Advogados, a CVM “deu uma resposta célere e assertiva, confirmando a importância da participação do mercado no processo de audiência pública”.

“Desde a publicação da norma, no fim da tarde de sexta-feira, apenas duas companhias publicaram fatos relevantes informando as alterações nos procedimentos para realização de suas respectivas assembleias, sendo que uma delas será, até o momento, a primeira companhia a realizar uma assembleia totalmente virtual”, informou Ana Paula.

Já para o investidor Renato Chaves, a norma veio dentro do esperado, mas faltou orientações sobre o processo de auditoria. “Como seria, por exemplo, caso fosse necessário uma auditoria de conexões? Se a administração decidir derrubar um acionista que questionará pontos apresentados, por exemplo”, pontuou o investidor.

Para Chaves, em uma situação de conflito, como a administração detém o controle das conexões, ela pode derrubar o acionista que tem uma opinião contrária. “Em um caso de abertura de processo contra a administração, por exemplo, o que acontecerá se a conexão cair?”, questionou.

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