Pandemia

Na pandemia, CVM adota trabalho 100% digital, monitora e julga mercado de casa

Autarquia vê ganho de produtividade dos servidores apesar do novo ambiente e reduz custos

CVM
Superintendente de Planejamento da CVM, Daniel Valadão, e a plataforma Teams - Crédito: Arquivo pessoal
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Em um momento agitado para o mercado de capitais, com altas e baixas e recordes de acionamento do mecanismo de circuit braker, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também teve de se reinventar para continuar fiscalizando e identificando possíveis ilícitos.

Com o coronavírus, o órgão regulador transformou sua operação presencial, que envolvia cerca de 500 servidores divididos em três estados, para um ambiente 100% digital. Para a autarquia, apesar da distância física entre os servidores, uma análise preliminar aponta para ganho de produtividade por parte de seus funcionários.

Desde 23 de março, 12 dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar que o mundo estava vivendo uma pandemia, os servidores da CVM, divididos no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, monitoram o mercado de capitais de suas casas.

O primeiro passo tomado pelo regulador para que isso fosse possível foi colocar na nuvem toda a plataforma de ferramentas e e-mails necessários, com 1 terabyte disponível para que o trabalho fosse realizado.

Com acesso remoto aos sistemas por meio de VPNs, as áreas técnicas passaram a monitorar empresas e investidores, seja por meio de ferramentas de notícias de companhias em tempo real já disponíveis na internet ou com o uso das próprias ferramentas de investigação presenciais.

Sem as reuniões presenciais que marcavam a rotina dos servidores, a CVM adotou o Microsoft Teams como ferramenta de reuniões virtuais entre as áreas técnicas e o colegiado. Isso foi feito por meio de um contrato de licitação vencido pela Telefonica, de valor anual de R$ 352,4 mil. Com a contratação do pacote Office 365, o órgão pode suportar, no limite, 1.050 usuários corporativos e de serviços.

Para mitigar problemas nas reuniões, a banda larga de internet contratada pela CVM quintuplicou: a velocidade passou de 100 GB para 500 GB. “Fizemos uma reunião com 180 pessoas, com todos conectados usando esse canal. Se deixássemos em 100, provavelmente teríamos problema de performance”, explicou Carlos Valentim, superintendente de Tecnologia da Informação da autarquia.

Apesar das novas ferramentas, Valentim afirmou que não foi detectado nenhum prejuízo para seu uso por parte dos servidores.

Com a rápida transição para o trabalho remoto, não houve tempo para que os servidores transferissem todos seus arquivos para casa, mas isso não é um óbice para o trabalho do regulador: “Nós conseguimos ligar o desktop e colocamos o arquivo necessário na mão do usuário”, explicou o superintendente.

O uso da tecnologia também chegou ao colegiado da CVM. Desde a última terça-feira (26/5), os diretores passaram a julgar processos administrativos sancionadores virtualmente, de forma pública, com transmissões ao vivo na internet.

Produtividade da CVM

Darcy Oliveira, superintendente de Administração e Pessoal da CVM, destacou que o órgão já tinha experiência prévia com trabalho remoto, e isso potencializou a transição para o ambiente 100% virtual. Antes, 20% de cada superintendência poderia trabalhar de forma remota.

“Estávamos preparados para um salto tecnológico, mas não poderíamos migrar para um regime de teletrabalho sem as ferramentas necessárias. A pandemia veio como uma janela de oportunidade, pois acabamos testando a integralidade no trabalho remoto”, afirmou o superintendente.

No início, de acordo com Oliveira, havia uma perspectiva de que, com a operação totalmente digital, a produtividade do servidor cairia. Com pouco mais de dois meses de implementação, a CVM percebeu que o resultado foi o inverso: pelos primeiros relatos dos gestores, foi identificado um aumento na produtividade.

De forma digital, ressaltou Darcy Oliveira, é possível mapear de forma intensa as atividades dos funcionários. “Temos chats, fóruns, grupos, com várias ferramentas de gerenciamento de equipe. Há uma facilidade de comunicação, curiosamente até melhor do que quando estávamos no mesmo prédio”, comparou.

Além da interação entre os próprios servidores, o órgão também impulsionou sua relação com os regulados. “A comunicação ficou mais organizada. Conseguimos tratar melhor a comunicação com o mercado.”

O superintendente explicou que praticamente todos os serviços prestados pela CVM já estão ocorrendo de forma virtual. A autarquia ainda está adaptando o protocolo para entrega de processos físicos – anteriores a 2015, e também transformando o envio de notificações de multas e taxas de fiscalização para o ambiente virtual, em parceria com os Correios.

“Em vez de imprimir notificações e despachar, a gente vai usar um serviço via web, com a integração da base de dados da CVM com os Correios”, contou Oliveira.

Internamente, as áreas que cuidam diretamente da instrução de processos também avaliam a possibilidade de realizar diligências, como tomada de depoimento de investigados, de forma digital.

Redução de custos

O modelo adotado pela CVM para uma operação 100% digital, de acordo com o superintendente de planejamento da autarquia, Daniel Valadão, já tem produzido alguma redução de custos, tendo em vista que as operações nos prédios da autarquia estão paralisadas.

Essa redução, segundo ele, seria maior caso a autarquia migrasse para um modelo definitivo de teletrabalho, já que há custos fixos, como aluguel e impostos, que ainda não podem ser eliminados.

“Com o tipo de atividade de regulação, que é possível fazer à distância, reduziria a quantidade de imóveis do estado, além do capital imobilizado e despesas correntes, como ar condicionado, condomínio e aluguel”, disse Valadão.

Mesmo assim, já há reflexos na diminuição de consumo de energia elétrica e materiais de limpeza e higiene. Para Darcy Oliviera, essa economia já chega perto de R$ 30 mil reais mensais.

Percepção

No entendimento do servidor Florisvaldo Machado, inspetor da CVM e presidente do SindCVM, a resposta da autarquia foi muito rápida, com a adoção de ferramentas tecnológicas que permitiram que “virássemos a chave do trabalho presencial para o remoto em prazo muito curto”.

“Embora a CVM já estivesse na fase final de sua experiência piloto de trabalho semipresencial, a mudança forçada e imediata para o regime de teletrabalho de toda a sua força de trabalho representou um enorme desafio de adaptação para os servidores, que tiveram que reinventar sua forma de trabalhar e, ao mesmo tempo, aprender a lidar com a ansiedade provocada pelo medo do contágio”, falou o servidor.

Além disso, segundo ele, o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos foram alçados a um novo patamar. “Todos tivemos de nos adaptar.”

“Nesses pouco mais de dois meses, temos aprendido bastante, inclusive a ser ainda mais eficientes sob situação de forte estresse e, seguramente, as experiências que temos tido forjarão nossa forma de trabalho para o futuro pós-pandemia”, destacou Machado

Para ele, esse aprendizado permitirá explorar novas formas de trabalho, com uso mais intensivo de tecnologia, aumento de produtividade e prestação de melhores serviços à sociedade.