O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendeu, em entrevista ao JOTA e a um veículo estrangeiro, que o novo arcabouço fiscal tenha alguma regra para a trajetória das despesas “permanentes” do governo federal.
“Tem que estar no bojo da discussão, tem que ter regramento. Aí é o desafio, não precisa ser cravada com números precisos, precisa olhar outras variáveis. Se o país em determinado período está crescendo de forma consistente, tem flexibilidade maior para ampliar política pública de forma permanente. Então, precisa ter alguma margem para olhar os indicadores de forma conjunta e entender o que está acontecendo na economia e quanto ela consegue suportar de política pública”, afirmou.
“Para a despesa corrente é óbvio que é defensável que tenha um pouco mais de rigor na sua contratação porque gera efeitos permanentes no tempo. Não existe medida anticíclica com despesa corrente, permanente, porque você a cria no tempo e não volta mais atrás”, salientou.
Por outro lado, apontou o secretário, o investimento público, em coordenação com a política monetária, pode ter um papel anticíclico. Ele ressaltou ainda que um dos objetivos das novas regras fiscais em elaboração também é melhorar a qualidade dos gastos e ampliar em termos reais o espaço do investimento público no orçamento ao longo do tempo.
“A ideia é, sempre que tiver alguma margem fiscal, ampliar o investimento público que não gere uma despesa permanente”, disse Ceron, lembrando que os investimentos públicos hoje são insuficientes para cobrir até a depreciação do capital físico existente.
“O problema é o crescimento da despesa permanente de forma não compatível com o desempenho da receita permanente. Isso é o que coloca em risco a solvência fiscal. O investimento público crescer mais ou menos, a depender do ciclo, é uma variável que é mais fácil de se controlar ao longo do tempo. Se tiver margem, um pouco mais de investimento público é saudável, reduz custo Brasil. Mas, de fato, despesa permanente precisa ter de fato olhar mais cuidadoso para evitar que ela entre em trajetória incompatível com crescimento da receita”, disse.
Segundo o secretário, a intenção é que o novo arcabouço fiscal garanta uma trajetória de previsibilidade e sustentabilidade para a dívida, sem deixar de ter flexibilidade para o governo atuar.
“Isso é mais ou menos consensual, mas é importante repisar isso. Nós estamos fazendo esse debate interno o grande objetivo da regra fiscal que tem que garantir que no fim do dia ela garanta essa trajetória sustentável da dívida no tempo”, afirmou.
Ele aponta que uma estabilização e posterior redução da dívida reduzem a pressão sobre a taxa de juros, o que ao longo do tempo também vai abrindo espaço para maiores investimentos.
Receita líquida do PIB
O secretário do Tesouro Nacional afirmou que a intenção da equipe econômica é trabalhar com um nível de receita líquida (aquela que já desconta as transferências para estados e municípios) em torno de 19% do PIB. Esse valor acaba funcionando como uma espécie de limite referencial para a trajetória de despesas, de forma a garantir a geração de resultados primários que garantam a sustentabilidade da dívida.
“Não há uma meta de despesa, por ora. A preocupação é o não crescimento da despesa de forma descontrolada. O que tem que acontecer é que dentro desse patamar de receita que buscamos de 19% se acomodar as despesas e sobrar espaço para resultados fiscais e primários que permitam essa trajetória sustentável”, afirmou Ceron.
Ele explica que a ideia é que no lado da despesa se trabalhe abaixo desse nível referencial de receitas. “Acho que dá para interpretar assim. Hoje nós entendemos que o patamar de 19% de receita líquida sobre o PIB é suficiente para acomodação de despesas necessárias para o bom funcionamento do estado e a geração de resultados que permitam manter uma trajetória de solvência da dívida”, salientou.
Sistema de bandas para diferentes variáveis fiscais
Ceron também disse ser pessoalmente favorável que, no âmbito do novo arcabouço em construção, se trabalhe com um sistema de bandas para as diferentes variáveis fiscais.
“É garantir essa trajetória de estabilidade da dívida ao longo do tempo, ou ter regras para o gasto, mas que essa regra tenha condições de compor diferentes mecanismos para garantir essa trajetória de solvência. A depender do contexto econômico, você pode ter gatilhos de despesa, de receita, que permitam fazer esse equilíbrio ao longo do tempo, que é mais importante que um evento pontual. Mas é preciso ter, se ele descola, precisa ter regramento de retorno para a trajetória”, disse Ceron.
“A gente está discutindo, o que acontece em condições normais, o que acontece em situações excepcionais, como a gente cria uma regra que tenha mecanismos de pesos e contrapesos para garantir uma trajetória que vá caminhando sem ser um número exato”, acrescentou.
Segundo ele, as variáveis como endividamento, resultado primário e despesas, dentro desse sistema se combinam.
“Você pode ter diferentes gestões ao longo do tempo. E pode ter composições diferentes para um mesmo resultado. E isso é importante. O nível do resultado primário pode vir pelo lado da despesa, pelo lado da receita, ou um balanço entre os dois. E a depender do ajuste ele impacta a trajetória da dívida. É melhor que tenha bandas que permitam composição do que ter um número exato ano a ano, que não permite que faça outro tipo de ajuste que gere o mesmo resultado”, salientou, reforçando que os contextos econômicos, por exemplo, de maior ou menor crescimento do PIB, devem ser levados em conta. “Os indicadores precisam ser pensados conjuntamente”, disse.
Especificamente sobre a questão do resultado primário dentro desse processo, o secretário afirmou que ele continuará desempenhando papel importante, mesmo que seja de forma “implícita” para conter a dívida e manter uma trajetória sustentável.
“Ele é necessário no tempo. Qualquer arcabouço fiscal vai ter que induzir à geração de algum resultado primário para manter estável. Ele pode ser implícito, porque explícito pode gerar distorções, a depender da fase do ciclo econômico, quanto o PIB está crescendo ou não, que influencia muito”, disse.
“A Índia é um bom exemplo. Ela tem nível de dívida elevado, custo de financiamento que não é tão baixo, mas ela cresce a um nível que isso não é um problema. Ela tem grau de investimento com patamar de dívida muito acima do nosso, porque a composição de indicadores permite essa trajetória”, completou, destacando que será preciso ver como combinar o regramento para evitar que ele seja “pró-cíclico”.
Ceron disse ainda que o processo de construção do novo arcabouço fiscal dentro do governo está sendo feito por meio de “aproximações”, ou seja, buscando convergências com os diferentes atores no processo. Segundo ele, a nova regra vai “conversar” com a Lei de Responsabilidade Fiscal. E ressaltou que é importante garantir margem de manobra que não foi dada no âmbito do atual regramento definido no teto de gastos.
“Estamos evitando criar uma regra que não dê nenhuma margem de manobra a depender do contexto econômico que aconteça. Uma regra como o teto de gastos, que cumpriu seu papel, é claro que não é sustentável no tempo. É impossível imaginar que não haverá crescimento real [no gasto]. Claro que entre haver crescimento real e crescimento crescente em relação ao PIB é diferente, é outra discussão. Mas é evidente que para país em desenvolvimento, com sistema previdenciário com alguns desafios, era insustentável [o teto]. Então isso que se busca evitar”, disse.