A B3 divulgou nesta quarta-feira (6/4) um guia sobre a atuação das Spacs (Special Purpose Acquisition Companies) no país. No documento SPACs: Práticas Internacionais e Aspectos de Governança, a B3 traça elementos a serem seguidos pelas Spacs, ainda pouco utilizadas no Brasil.
Entre as recomendações está a divulgação dos riscos inerentes à estrutura das Spacs, reserva em conta própria do valor captado com IPO e devolução do montante angariado caso não seja possível realizar a combinação de negócios. Além disso, a B3 indica a possibilidade de normatização do tema futuramente.
As Spacs são companhias que têm por objetivo adquirir outras companhias. Assim, elas são criadas sem ter uma operação específica, sendo, em um primeiro momento, uma espécie de “casca” em busca de investimentos.
O passo seguinte é a realização de um IPO para captar recursos e buscar uma companhia operacional para adquirir. Pelo fato de a Spac não ser operacional em um primeiro momento e pela incerteza na aquisição futura, é frequente a afirmação de que as companhias são “empresas cheque em branco”.
“Os investidores que entram nesse IPO confiam que o patrocinador da Spac é capaz de encontrar um bom negócio para fazer a combinação lá na frente, normalmente entre 18 e 24 meses”, define Flávia Mouta, diretora de emissões da B3.
De acordo com dados citados pela B3 no seu relatório, até dezembro de 2021 houve o lançamento de 613 Spacs nos Estados Unidos, com captação de US$ 162,5 bilhões.
As Spacs não são estruturas novas. Porém, o formato ganhou força internacionalmente nos últimos dois anos, segundo Mouta. “Apesar de já ter uma longa estrada, como ele [Spac] ganha projeção mais recentemente e o mercado brasileiro começa a olhar, faz sentido que estejamos falando sobre SPAC nesse momento”, diz.
O Brasil recebeu o primeiro registro de uma SPAC no final de 2021. A consultoria Alvarez & Marçal recebeu o registro de companhia aberta e espera para fazer o IPO.
Transparência na divulgação de informações
Com base na experiência internacional com as Spacs, a B3 traça cinco “aspectos elementares” a serem observados por companhias que queiram utilizar o formato no Brasil. De acordo com Flávia Mouta, as diretrizes buscam garantir clareza aos investidores.
“Em todos os cinco aspectos essenciais há um componente de transparência embutido: especificar a destinação de recursos da Spac, trazer clareza sobre como vai se processar o ressarcimento dos investidores, quais são as informações que devem constar nos documentos da operação”, diz.
Segundo Mouta, a legislação brasileira não veda as Spacs, mas o arcabouço atual não foi pensado para esse tipo de operação.
A B3 recomenda, por exemplo, atenção com os recursos decorrentes do IPO. De acordo com a B3, a prática internacional indica que pelo menos 90% do valor captado deve ficar depositado para viabilizar o investimento na sociedade alvo e para ressarcir os investidores em caso de desistência ou de liquidação da Spac.
A B3 também recomenda que os valores não sejam movimentados para o pagamento de custos de manutenção da Spac, como a remuneração dos administradores, due diligence da empresa-alvo, honorários advocatícios e benefícios ao patrocinador, acionista controlador ou administradores.
O documento também recomenda transparência na combinação de negócios após a aquisição da empresa-alvo. Para a B3, a discussão deve passar necessariamente por assembleia.
Ainda de acordo com o documento, é recomendável que as Spacs estabeleçam em seu estatuto social as hipóteses de ressarcimento do valor correspondente aos aportes efetuados no IPO. Além disso, as companhias devem divulgar os fatores de risco atrelados à estrutura da Spac, como o fato de os valores captados serem destinados à aquisição de uma outra companhia, e não à própria Spac, e o fato de a companhia ser recém-construída, não tendo um histórico que possa ser observado pelo acionista.
Além disso, na opinião da B3, deve ser divulgada a fonte dos recursos que custearão a manutenção da Spac no período entre o IPO e a combinação de negócios. A remuneração devida e eventuais benefícios concedidos ao patrocinador e pessoas a ele vinculadas também devem ser publicizados.
Por fim, consta no documento que, caso o prazo da Spac expire sem a realização da combinação de negócios, deve ocorrer a devolução dos recursos aos acionistas e a deslistagem da companhia.
Normatização
O guia divulgado nesta quarta pela B3 deixa claro que “posteriormente, quando este mercado atingir determinado grau de desenvolvimento no país, a B3 avaliará a conveniência de editar norma específica, em conjunto com o mercado, no âmbito de sua competência regulatória”.
De acordo com a diretora de emissões da B3, neste primeiro momento a intenção foi fazer um “guia de orientação” aos acionistas. “Tudo que a gente traz no guia, em alguma medida, lá adiante, se o próprio mercado sentir necessidade, pode ser que seja parte de um regramento. Mas por ora achamos que o produto precisa ter mais flexibilidade para que seja testado e o mercado identifique o melhor desenho”.
Uma possível regulamentação sobre o tema também é alvo de uma consulta pública da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia abriu espaço para receber comentários do mercado sobre a possibilidade de limitar, em um primeiro momento, o público-alvo das Spacs apenas a investidores qualificados.
A consulta pública está aberta até 8 de julho.
A advogada Ana Carolina Audi, do Demarest Advogados, que assessorou a Spac da Alvarez & Marçal, acredita que, a partir da observação das práticas internacionais relacionadas às Spacs, o instituto poderá ser bem utilizado no Brasil. Ela cita que nos Estados Unidos as companhias, que captaram recursos há aproximadamente dois anos, estão em fase de combinação de negócios.
“[No Brasil] os sponsors [patrocinadores] vão ser muito mais cautelosos e completos nas informações para que investidores permaneçam”, afirma.
A advogada acredita que, no Brasil, apesar de não haver regramento específico, não há impedimento ao funcionamento das Spacs. Também há, na opinião dela, um arcabouço que prevê a divulgação de informações sobre o negócio. Audi cita como exemplo o fato de a legislação brasileira prever a publicização de uma série de informações nas assembleias em caso de reestruturações societárias, como incorporações e fusões.