O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quarta-feira (16/12), três ações que discutem se o poder público pode determinar a obrigatoriedade de vacinação. Na sessão desta quarta-feira (16/12), o ministro Ricardo Lewandowski votou no sentido de que tanto a União, quanto estados e municípios podem instituir a vacinação compulsória, com a possibilidade de adotar medidas restritivas para incentivar a imunização, desde que estas medidas estejam previstas em lei. O ministro destacou, entretanto, que vacinação obrigatória não é forçada.
O julgamento continua nesta quinta-feira (17/12), e o próximo a votar é o ministro Luís Roberto Barroso.
Para Lewandowski, a obrigação pode ser implementada “por meio de medidas como a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que as medidas sejam acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações das vacinas”. Leia a íntegra do voto.
O tema é julgado em três processos. Dois deles se referem à Covid-19. Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6.586, o PDT pede que o Supremo determine que os estados têm competência para determinar a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19. Em sentido oposto, o PTB ajuizou a ADI 6.587, na qual pede que o STF fixe ser inconstitucional a obrigatoriedade da vacina contra o vírus, seja pela União, seja pelos estados.
Em discussão nas duas ações, está o artigo 3°, inciso 3, alínea ‘d’ da Lei 13.979/2020, que prevê medidas para enfrentamento à pandemia da Covid-19. Estas ações são relatadas por Lewandowski.
O terceiro caso é um recurso extraordinário com repercussão geral, que discute se pais podem deixar de vacinar os filhos por “convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais”. O processo que chegou à Corte envolve pais adeptos do veganismo, que se recusaram a vacinar o filho por suas convicções morais. O relator é o ministro Luís Roberto Barroso.
Lewandowski: vacinação pode ser compulsória, mas não forçada
Ainda no início do julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski explicou que o STF não irá decidir se “a vacina contra a Covid, seja ela do laboratório A, B C ou D vai ou não ser obrigatória”, pois “isso é matéria para os epidemiologistas, infectologistas, especialistas, para o Ministério da Saúde, aqueles que têm, o poder de desencadear políticas públicas, que não é o papel do Poder Judiciário”.
“Nós vamos aqui interpretar esta expressão em face da Constituição da República, o que é justamente o nosso papel, não vamos avançar um milímetro além desta competência, que é própria do Poder Judiciário e particularmente do STF”, afirmou.
Assim, o ministro analisou, em seu voto, a constitucionalidade do dispositivo da Lei 13.979/2020 que trata sobre a vacinação compulsória. Em sua visão, “a lei não
prevê em nenhum de seus dispositivos a vacinação forçada. Não consta sequer que tal medida tenha sido cogitada pelo legislador”.
O dispositivo questionado diz o seguinte:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:
III – determinação de realização compulsória de:
d) vacinação e outras medidas profiláticas
O ministro lembra que normas antigas, como a Lei 6.259/1975, e o Decreto 78.231/1976, que instituíram o Programa Nacional de Imunizações (PNI), já fixam a possibilidade da vacinação obrigatória, mas não a vacinação forçada. Em 2004, o Ministério da Saúde editou portaria segundo a qual “a obrigatoriedade da vacinação não contempla a imunização forçada, porquanto é levada a efeito por meio de sanções indiretas, consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício de determinadas atividades ou à frequência de certos locais”.
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), ressaltou o ministro, “prevê a obrigatoriedade da ‘vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades’, estabelecendo penas pecuniárias àqueles que, dolosa ou culposamente, descumprirem ‘os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda’ dos menores”.
“Diante desse quadro, penso que, a rigor, a previsão de vacinação compulsória contra a Covid-19, determinada na Lei 13.979/2020, não seria sequer necessária, porquanto a legislação sanitária, em particular a Lei 6.259/1975, já contempla a possibilidade da imunização com caráter obrigatório. De toda a sorte, entendo que o mais recente diploma normativo, embora não traga nenhuma inovação nessa matéria, representa um reforço às regras sanitárias preexistentes, diante dos inusitados desafios colocados pela pandemia”, disse Lewandowski.
O ministro ainda falou sobre a importância da vacinação obrigatória, principalmente num contexto de pandemia. “Alcançar a imunidade de rebanho mostra-se deveras relevante, sobretudo para pessoas que, por razões de saúde, não podem ser imunizadas, dentre estas as crianças que ainda não atingiram a idade própria ou indivíduos cujo sistema imunológico não responde bem às vacinas. Por isso, a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão beneficiárias da imunidade de rebanho”, disse.
E continuou: “é nesse contexto, amplificado pela magnitude da pandemia decorrente da Covid-19, que se exige, mais do que nunca, uma atuação fortemente proativa dos agentes públicos de todos os níveis governamentais, sobretudo mediante a implementação de programas universais de vacinação”.
Para Lewandowski, não é uma opção do governo vacinar ou não vacinar, pois “configura obrigação do Estado brasileiro proporcionar a toda a população interessada o acesso à vacina para prevenção da Covid-19, devendo comprometer-se com a sua gratuidade e universalização, para os grupos indicados, assim que houver comprovação científica acerca de respectiva eficácia e segurança”.
Ao fim, o relator ainda destacou a importância de campanhas de conscientização e divulgação “para estimular o consentimento informado da população”, que podem ser eficazes para “conquistar corações e mentes, sobretudo em tempos de intensa desinformação como os que vivemos”. Em sua visão, o próprio sucesso da imunização, uma vez desencadeada, tal como tem ocorrido com as demais vacinas, poderá reforçar a sua credibilidade social.
Lewandowski também argumenta que a compulsoriedade da imunização não é, como muitos pensam, a medida mais restritiva de direitos para o combate da Covid-19. “Na verdade, ela pode acarretar menos restrições de direitos do que outras medidas mais drásticas, a exemplo do isolamento social. Sim, porque as medidas alternativas tendem a limitar outros direitos individuais, relacionados, por exemplo, à liberdade de ir e vir ou de reunião, dentre outros, que têm o potencial de gerar efeitos negativos para as atividades públicas e privadas, afetando, em especial, a economia”, fundamentou.
Em relação à competência para tomar medidas restritivas, o ministro diz que o SUS é descentralizado e, apesar de caber ao Ministério da Saúde coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de vacinação, isso não exclui a competência dos estados, municípios, e do Distrito Federal para definir regras de vacinação contra a Covid-19.
“Embora o ideal, em se tratando de uma moléstia que atinge o país por inteiro, seja a inclusão de vacinas seguras e eficazes no Programa Nacional de Imunizações, sob a coordenação da União, de forma a atender toda a população, sem qualquer distinção, o certo é que, nos diversos precedentes relativos à pandemia causada pela Covid-19, o Supremo Tribunal Federal tem ressaltado a possibilidade de atuação das autoridades locais para o enfrentamento dessa emergência de saúde pública de importância internacional, em especial na hipótese de omissão por parte do governo central”, disse.
Assim, o ministro votou pela procedência parcial das ADIs, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei 13.979/2020, para estabelecer que:
(A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes;
(i) e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes;
(ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes;
(iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e
(v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e
(B) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.
Pais podem deixar de vacinar os filhos?
O terceiro caso em julgamento é o recurso extraordinário com agravo (ARE) 1.267.879, que foi interposto por um casal contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Nesta quinta-feira, o ministro Luís Roberto Barroso, relator, irá proferir seu voto neste caso.
O caso teve origem em ação civil do Ministério Público de São Paulo para obrigar os pais de um menor nascido em 2015 a regularizar a vacinação do filho. De acordo com a inicial, os pais da criança são “adeptos da filosofia vegana e contrários a intervenções medicinais invasivas, como é o caso da vacinação obrigatória”. Assim, tinham deixado de cumprir o calendário de vacinação determinado pelas autoridades sanitárias.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente, tendo como fundamento a liberdade dos pais de guiarem a educação e preservarem a saúde dos seus filhos, o que incluiria evitar métodos por eles considerados potencialmente perigosos à saúde do menor. A sentença da primeira instância também considerou “a decisão consciente e informada dos pais contra a vacinação de crianças saudáveis, fundamentada em estudos acerca das reações e supostos riscos da vacinação infantil”.
O TJSP reformou a sentença do primeiro grau, determinando a vacinação e ainda – em caso de descumprimento – a busca e apreensão da criança para a regularização das vacinas obrigatórias. O acórdão do tribunal paulista registra não haver base científica para os alegados riscos trazidos pela vacinação infantil. E ainda que “os movimentos antivacina trazem grave risco à cobertura imunológica de doenças infecciosas na sociedade”. O casal recorreu e, em outubro, o STF reconheceu a repercussão geral do processo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Já a Lei 6259/1975, que instituiu o Programa Nacional de Imunizações, prevê que cabe ao Ministério da Saúde definir quais vacinas são obrigatórias, e que estados podem propor medidas para garantir o cumprimento dessa obrigatoriedade. Esta lei ainda fixa que para o pagamento do salário-família, será exigida do segurado a apresentação dos Atestados de Vacinação dos seus beneficiários para comprovar que foi cumprido o calendário de vacinação obrigatório.