
Para o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma mulher de 25 anos que se casou com seu tio, de 72 anos, um juiz classista, que morreu quatro meses após o casamento, não deve receber pensão. Para o ministro, “o caso é realmente estarrecedor e mostra que não se tem respeito maior pela fidelidade de propósito, respeito maior com a coisa pública”.
O caso será julgado pelo STF a partir de 18 de dezembro, no plenário virtual e o ministro Marco Aurélio, relator, já se manifestou a fim de manter a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que negou o benefício à mulher. Leia a íntegra do voto do relator.
Em fevereiro de 1999, o juiz classista Antônio Augusto Gonçalves Lobo, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5), de 72 anos, se casou com sua sobrinha, Beatriz Augusta Isaac Lobo, de 25 anos. Quatro meses depois, ele faleceu em decorrência de um câncer de próstata. A mulher então passou a receber pensão, até que o TCU, em 2003, determinou a cessação do benefício por entender que o casamento foi arquitetado pela sobrinha com o objetivo de ganhar a pensão.
Em pedido de reexame, a mulher conseguiu reverter a decisão em 2008. Mas o Ministério Público do Tribunal de Contas da União recorreu, alegando a ilegalidade do pagamento da pensão à mulher. Em 2010, o TCU considerou, em definitivo, ilegal o ato concessório de pensão civil. Por isso, determinou ao TRT5 que cessasse os pagamentos e ordenou que a mulher ressarcisse os valores que lhe foram pagos de agosto de 1999 até junho de 2010, um valor de R$ 647.275,21.
Beatriz Augusta Isaac Lobo, então, foi ao STF por meio do mandado de segurança (MS) 29.310, no qual alega que o TCU não é competente para declarar a nulidade do casamento, consequentemente extinguindo a pensão por este motivo. Em outubro de 2010, o ministro Marco Aurélio deferiu liminar para determinar o pagamento da pensão até o julgamento de mérito do caso. Agora, o plenário julgará o mérito do processo.
Em seu voto, encaminhado ao JOTA, o ministro Marco Aurélio destaca a diferença de idade entre o casal, aponta má-fé da mulher e cita Platão: “É preciso tender para a verdade, com toda a alma, com o coração e a inteligência”.
“No caso, presentes dados a sinalizarem, a mais não poder, a intenção de alcançar-se, em detrimento do erário, pensão, o Tribunal de Contas abandonou o formal – a certidão de casamento – para levar em conta a realidade. Fez ver que ‘não se trata aqui de decretar a nulidade do negócio jurídico, e sim, negar validade a ele, quando identificados fortes indícios de fraude, no que tange ao efeito gerador da pensão estatutária’”, diz o ministro.
“O caso é realmente estarrecedor e mostra que não se tem respeito maior pela fidelidade de propósito, respeito maior com a coisa pública. Eis os fatos: juiz classista, aos 72 anos e à beira da morte, tanto assim que veio a falecer 4 meses após o casamento, com câncer terminal na próstata, contraiu – repita-se, aos 72 anos – matrimônio com sobrinha de, à época, 25 anos de idade. A diferença entre eles aproximava-se dos 47 anos”, ressaltou o ministro no voto.
O ministro ainda afirma que o TCU considerou o contexto em relação à pensão, “ressaltando dados levantados pela Previdência Social a revelarem, em 2010, que a concessão de benefícios a viúvas em situação semelhante, com diferença substancial de idade no casal, alcança R$ 280 milhões”.
“Evoluo tendo em conta o que serviu de base ao deferimento da tutela de urgência. Faço-o a partir da premissa de que não houve o desfazimento, pelo Órgão de Contas, do casamento, mas simples consideração de quadro fático a implicar a insubsistência da pensão em virtude da má-fé que a cerco”, afirma Marco Aurélio, indeferindo o mandado de segurança da mulher.
O caso começa a ser julgado em 18 de dezembro e os ministros terão até 5 de fevereiro para juntar seus votos, devido ao recesso do Judiciário, que começa em 20 de dezembro.