Crise Humanitária

STF detecta desobediência às ordens judiciais de proteção aos indígenas

Corte informou nesta quinta-feira que as desobediências serão apuradas e os responsáveis poderão ser punidos

indígenas yanomamis
Estátua da Justiça em frente ao STF. Crédito: Fellipe Sampaio/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) informou nesta quinta-feira (26/1) que detectou descumprimento de determinações judiciais da Corte e indícios de prestação de informações falsas à Justiça em relação à situação dos povos indígenas no Brasil — em especial, os yanomamis. Por isso, via nota, o gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, relator de uma ação sobre a questão dos povos originários no Brasil, informou que as desobediências às ordens judiciais serão apuradas e os responsáveis poderão ser punidos.

De acordo com o STF, desde 2020 a Corte proferiu decisões determinando à União e a entidades federais a tomada de providências em favor dos povos indígenas. Porém, segundo informações dos processos, as operações, sobretudo as mais recentes, não seguiram o planejamento aprovado pelo STF e ocorreram com deficiências.

No âmbito da Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 709, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, o STF ordenou a execução de um plano de enfrentamento à Covid-19 para povos indígenas que contemplasse medidas de segurança alimentar e de ampla atenção à saúde. Além disso, solicitou a criação de barreiras sanitárias para impedir a entrada de terceiros nas áreas e a prioridade de vacinação dos povos originários.

Em outro processo, que tramita em sigilo, a Corte determinou a execução de um plano de expulsão de invasores da Terra Indígena Yanomami e de outras seis terras indígenas, onde foi constatada presença ilegal de garimpeiros e madeireiros.

De acordo com a nota, entre as medidas ordenadas por ministros do Supremo estava a interrupção da chegada do suprimento de alimentos, combustíveis e itens de primeira necessidade nos garimpos ilegais para provocar a saída dos invasores sem atos de violência do interior do território indígena. Também houve determinação do uso da força para conter atos de violência e proteger as comunidades ameaçadas.

A pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o STF concedeu uma liminar determinando a adoção imediata de todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam as Terras Indígenas Yanomami e Mundurucu.

Ainda segundo o STF, a União foi intimada a se manifestar e afirmou nos processos que realizou ações de vigilância alimentar e nutricional, de saúde em geral e de enfrentamento à malária junto ao povo Yanomami. Declarou, ainda, a realização de diversos ciclos de “operações de repressão ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami”.

Porém, de acordo com a nota enviada pelo ministro Barroso, a União não tem cumprido as decisões judiciais, e, por isso, povos indígenas como os yanomamis chegaram à situação de emergência declarada pelo governo federal.

Pedidos Apib e PGR

Na terça-feira (24/1), a Apib voltou a protocolar uma petição na ADPF 709 para destacar a situação dos yanomamis. A associação afirmou que a “situação escabrosa que acomete acomete o Povo Indígena Yanomami” se perpetua com o descumprimento “sistemático” da União das decisões proferidas pelo STF. “Estamos diante de flagrante e inadmissível duplo desrespeito: com o Supremo Tribunal Federal e com os povos originários desse país”, diz o texto.

De acordo com a Apib, na Terra Indígena Yanomami, o garimpo afeta 273 de 350 comunidades. A associação lembra que por conta da invasão garimpeira ilegal, a saúde indígena tornou-se uma área especialmente impactada: desde 2020, diversos polos-base de saúde foram invadidos e fechados por garimpeiros, obstruindo a prestação de assistência médica a, pelo menos, 3.485 indígenas.

Ainda de acordo com a Apib, estudos de monitoramento realizados pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), de dezembro de 2021 até agosto de 2022, mostram que a área impactada pelo garimpo cresceu mais de 1.100 hectares, representando uma variação de 135%. A Apib ainda denuncia a construção de uma estrada dentro do território Yanomami.

“Beira as raias do absurdo que em plena vigência das medidas cautelares os garimpeiros tenham aberto uma estrada de mais de 150 quilômetros sem que a União tomasse conhecimento! Medidas urgentes são necessárias para conter a escalada da invasão garimpeira”, diz o documento.

A Apib pede ao STF que seja realizada a desintrusão completa e imediata das terras indígenas, com destaque para a emergência Yanomami, assim como Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Mundurucu e Trincheira Bacajá. Solicita ainda que a União abra créditos extraordinários para garantir o cumprimento da decisão, garantindo recursos mínimos para as operações.

Nesta quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) protocolou uma petição similar reiterando os pedidos da Apib: retirada dos invasores de terras indígenas e mais verba para a realização de operações. Ainda não há decisão sobre os pedidos da Apib e da PGR.

A Advocacia-Geral da União (AGU), sob nova gestão após a alteração do governo federal, informou que deve criar grupo especial voltado para a proteção dos povos indígenas. Os trabalhos serão conduzidos por Mariana Barbosa Cirne, que chefia a recém-criada Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente. Em conversa com jornalistas na quarta-feira (25/1), o novo AGU, Jorge Messias, disse que a gestão de Jair Bolsonaro deixou os “indígenas abandonados à própria sorte”. A nova gestão da AGU afirmou que deve protocolar petições nos processos do Supremo envolvendo questões indígenas para informar que a postura do governo atual será de proteção aos indígenas.

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