O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade de votos, derrubou, nesta quinta-feira (28/4), o procedimento simplificado de licenciamento ambiental para empresas com atividades classificadas como de risco médio ao meio ambiente e exigiu que os trâmites de abertura de empresas cumpram os requisitos específicos da legislação ambiental.
Os ministros concordaram que a concessão automática do licenciamento ambiental, sem análise humana, fere as regras constitucionais de defesa do meio ambiente. A discussão ocorreu na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.808 e faz parte da Pauta Verde que o STF vem julgando desde o dia 30 de março.
O Supremo mantém o entendimento, expresso em outros temas já julgados da Pauta Verde, de proteção ao meio ambiente. Como há clima de animosidade entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo, a votação pode ser interpretada pelos aliados de Bolsonaro como mais uma derrota do governo, uma vez que a simplificação do licenciamento ambiental faz parte de um pacote de ações pela desburocratização da atividade empresarial no Brasil por meio da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).
A ação foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra artigos da Medida Provisória 1040/2021 que previam, no âmbito Redesim, a concessão automática de alvará de funcionamento e licenças – inclusive licenciamento ambiental – para empresas enquadradas em atividade de grau de risco médio, além da impossibilidade de os órgãos de licenciamento solicitarem informações adicionais àquelas já informadas pelo solicitante através do sistema da Redesim.
A justificativa da MP foi facilitar a abertura e legalização de empresas do Brasil. Para funcionarem, as empresas devem obter, dependendo de sua área de atuação, uma série de licenças, como ambientais, sanitárias e alvarás do Corpo de Bombeiros, por exemplo. Com a alteração legislativa, os documentos necessários para a abertura de uma empresa são enviados por meio de uma plataforma tecnológica, em que o empresário já recebe o alvará de funcionamento, sem ter que levá-los a cada órgão de controle. A MP depois foi transformada na Lei 14.195/2021.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia entendeu que o licenciamento ambiental deve seguir a legislação específica, afastando, portanto, o procedimento automático de concessão, sem análise humana. A relatora entendeu que a alteração legislativa está em desacordo com a proteção do meio ambiente prevista na Constituição Federal e contrária aos princípios da precaução e da prevenção defendidos pela jurisprudência da Corte. No entanto, os demais procedimentos de simplificação foram mantidos.
“Não podemos deixar que a norma se transforme em salvo-conduto para atividades que não querem se submeter a um controle ambiental prévio”, afirmou Cármen Lúcia. “Ainda mais na circunstância em que estamos tendo mais desmatamento e grilagem de terra. Primeiro faz-se para depois tentar a regularização”, acrescentou.
A ministra disse ainda que a Constituição faz vedação ao retrocesso ambiental e prevê o direito a todos por um meio ambiente saudável. Ela ainda destacou a importância de se ter um desenvolvimento econômico aliado ao meio ambiente. “Não se resolve crise econômica com outras crises que poderiam ser gravosas ao meio ambiente”, afirmou.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou a relatora e lembrou que não se pode equiparar licença ambiental com outros tipos de licença. “No meio ambiente não há retorno. Qualquer multa, sanção posterior não vai recuperar o meio ambiente”, justificou.
Acompanharam a ministra Cármen Lúcia na integralidade do voto os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Os ministros Nunes Marques, André Mendonça e Gilmar Mendes acompanharam a relatora no mérito, mas se posicionaram contrários ao aditamento feito pelo partido político na petição inicial. Isso porque quando a MP virou lei, o partido pediu para que se continuasse a análise da questão, mesmo o pedido inicial sendo específico sobre a MP. Cármen Lúcia entendeu que era possível o aditamento porque o tema era o mesmo.
O ministro Dias Toffoli não participou da sessão.
Sustentações orais
Em sustentação oral, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, defendeu que a ação não deveria ser apreciada e, se fosse, deveria ser julgada improcedente. Bianco afirmou que não há inconstitucionalidade das normas impugnadas, uma vez que elas visam a facilitação e simplificação de procedimentos de abertura de empresas no Brasil, que é um processo conhecidamente burocrático. Ele ressaltou que: “Além disso, os órgãos fiscalizadores participantes do RedeSim podem solicitar os dados faltantes que reputarem pertinentes, em atenção aos princípios da eficiência e da economicidade”, afirmou.
Já o advogado Felipe Santos Correa, que representa o PSB, destacou que as normas fragilizam a proteção ao meio ambiente e lembrou que a classificação de risco é definida pelo poder público e que há uma grande variedade de definições sobre o que seria médio risco. Segundo ele, a portaria 78 do Ibama, por exemplo, entende como atividade de risco médio a lavra garimpeira de pequeno porte e transferência de carga de petróleo e derivados em alto-mar. “São atividades de evidente impacto ambiental”, alertou o advogado.
Ainda não foi divulgado se o STF vai continuar ou não com as ações da Pauta Verde na próxima semana. No calendário oficial, as ações ambientais restantes não constam, como a que questiona os novos parâmetros para aferir a poluição do ar e outra que discute o emprego das Forças Armadas em ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais e combate a focos de incêndio, militarizando a polícia ambiental – alega-se que tais medidas retiraram a autonomia do Ibama para atuar como agente de fiscalização.