O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, nesta quinta-feira (14/9), Aécio Lúcio Costa Pereira a 17 anos de prisão, iniciando em regime fechado, e indenização de R$ 30 milhões a ser dividida entre os condenados, por participar dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Prevaleceu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, que entendeu, a partir da análise das provas, que houve “claramente” tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito. Confira a íntegra do voto.
Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!
Moraes decidiu pela condenação de Aécio Lúcio Costa Pereira nos crimes de prática de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado. Esses são os cinco crimes imputados ao réu pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Aécio Lúcio Costa Pereira foi preso no dia dos atos dentro do Senado Federal, usando uma camiseta escrito “intervenção militar já”, com um grupo que depredou patrimônio público. Ele é autor de um vídeo publicado naquele mesmo dia dizendo “vai dar certo, não vamos desanimar”. Ex-funcionário da Sabesp, ele estava de férias do órgão quando viajou a Brasília em ônibus fretado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e ficou acampado em frente ao quartel do Exército.
O ministro entendeu, a partir da análise das provas, que houve claramente tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito. “A Constituição não permite a propagação de ideias golpistas, do pedido de intervenção militar”, afirmou. Moraes observou que “às vezes, o terraplanismo e o obscurantismo de algumas pessoas faz parecer que o dia 8 de janeiro foi um domingo no parque”.
“As pessoas vieram pegaram um ticket, entraram na fila […] agora nós vamos invadir o Supremo e vamos quebrar alguma coisinha aqui, agora vamos invadir o Senado, agora vamos invadir o Palácio do Planalto, como se fosse possível”, destacou. Moraes afirmou que “é tão ridículo ouvir isso que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não deveria permitir. A OAB que é uma defensora intransigente da democracia”, afirmou ao votar.
Em relação à queixa de suspeição do STF apresentada pela defesa do réu, o ministro ressaltou que “a Corte toda é suspeita porque a Corte, ao defender a democracia, fica suspeita para julgar aqueles que atacam a democracia. Se a Corte é suspeita ninguém julga então, quem sabe aí no próximo verão é possível aí uma excursão na Praça dos Três Poderes, com uma nova invasão, destruição e tentativa de golpe”.
Moraes ainda destacou que, “por mais ridículo que pareça”, é preciso fazer um esclarecimento “porque são tantos absurdos que se ouvem que o básico é necessário ser esclarecido”. “Várias pessoas defendendo que o crime não ocorreu porque não conseguiram dar o golpe de Estado. Ora, não existe crime de golpe de Estado porque se tivessem dado um golpe de Estado, na verdade, quem não estaria aqui seríamos nós para julgar o crime. Quem dá golpe de estado não é julgado porque ganhou na violência o que democraticamente perdeu. Por isso que as elementares do tipo são bem claras: tentar depor.”
O ministro foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Ministro revisor da ação, Nunes Marques, divergiu de Moraes sobre a competência do STF para julgar o caso. Para Nunes Marques, pelo fato de os réus não terem foro privilegiado, os processos deveriam ser remetidos à primeira instância.
Nunes Marques, entretanto, decidiu deixar um voto para a ação, caso a Corte não siga seu entendimento de que a ação deveria ser remetida à instância inferior. Ele condenou o réu pelos crimes de dano qualificado e deterioração do patrimônio público, mas absolve das acusações de associação criminosa armada, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Cristiano Zanin divergiu parcialmente do relator em relação à pena. Para ele, apesar de Pereira afirmar que participava de um movimento pacífico em prol da liberdade de opinião, “o réu Aécio não ingressou no Senado para um passeio ou uma visita. Ele ingressou juntamente com uma multidão, em tumulto que defendia, mediante violência física e patrimonial, o fechamento dos Poderes constitucionalmente estabelecidos”. Zanin fixou a pena em 13 anos e seis meses de reclusão em regime inicialmente fechado, mais um ano e seis meses de detenção.
O ministro André Mendonça também divergiu em relação à competência da Corte para julgar o caso e à condenação de Pereira pelo crime de tentativa de depor o governo legitimamente eleito. Para Mendonça, “um golpe de Estado demanda atos não só de destituição do poder, mas do estabelecimento de uma nova ordem jurídica e institucional”. “Eu preciso definir o que eu vou fazer com o Congresso, eu preciso definir o que eu vou fazer com o STF, eu preciso definir o que vai ser feito com a imprensa, com a liberdade das pessoas, no meio universitário, uma série de planejamentos e condutas que, com a devida vênia, não vi nesses manifestantes”, destacou.
O voto de Mendonça gerou um ‘bate-boca’ sobre ‘conspiração do governo’ Lula nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. “É um absurdo, com todo respeito, vossa excelência, querer falar que a culpa do 8 de janeiro é do ministro da Justiça. É um absurdo, quando cinco comandantes estão presos, quando o ex-ministro da Justiça que sucedeu vossa excelência fugiu para os EUA, jogou o celular dele no lixo e foi preso”, afirmou Moraes para Mendonça.
“Vossa excelência vem no Plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó”, indagou Moraes. Mendonça, então, pede ao ministro não colocar palavras na sua boca, “tenha dó vossa excelência”.
Minutos após o bate-boca, os dois ministros se desculpam. Mendonça fixou a pena em sete anos e 11 meses de reclusão em regime inicial semiaberto.
O ministro Luís Roberto Barroso também divergiu do relator e descartou o crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito. A seu ver, no caso concreto, a prática de tentativa de golpe de Estado absorve aquele crime. A pena fixada por ele era de 10 anos de reclusão, um ano e 6 meses de detenção e multa.
Barroso ainda destacou em seu voto que era necessário contextualizar os atos antidemocráticos. “É impossível lidar com esse contexto de tentativa de golpe e de tentação de volta ao regime militar sem relembrar do que nós estamos falando e do risco que nós verdadeiramente corremos […] Estou reavivando esses fatos para que ninguém fantasie o período ditatorial como um período florido da vida brasileira porque não foi”, afirmou.
O ministro Gilmar Mendes também ressaltou, em seu voto, que os manifestantes estavam em assentamentos na porta de quartéis antes dos atos antidemocráticos. “Não se faz assentamentos na frente de quartéis. Nem aqui, nem em lugar nenhum. Quartel não é lugar para fazer assentamento. Essas pessoas saíram de lá para fazer manifestação aqui. Essa é a moldura mais ampla que nos permite analisar esse fato no contexto em que se colocou”, disse.
Na mesma linha, a ministra Rosa Weber, em seu voto, destacou que “quem entrou neste prédio 2 horas depois [dos atos antidemocráticos] sabe do horror que nós encontramos aqui. Um prédio inundado; com o chão coberto pelos estilhaços das vidraças; vestígios de fogo em vários locais, como o gabinete da presidência, por exemplo; equipamentos destruídos; lustres pelo chão; vandalismo generalizado; um cenário de horror. Nem os elevadores resistiram à violência, tiveram portas arrancadas e dobradas”.
Na sequência, os ministros votaram pela condenação do segundo réu, Thiago Mathar. Este, com pena menor, de 14 anos de prisão. Por 8 votos a 3, ele foi condenado pelos menos cinco crimes que Aécio. Seguira o voto do relator, Alexandre de Moraes, os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Rosa Weber e Luiz Fux. O ministro Luís Roberto Barroso divergiu de um dos crimes, o ministro Nunes Marques considerou que houve dois crimes e André Mendonça, apenas um crime.