
A ministra Rosa Weber assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (12/9), e deve optar por manter a relatoria da ação que pede a descriminalização do aborto. Para isso, por uma regra regimental, a ministra terá de liberar o processo para pauta de julgamentos.
Mas isso não significa que Weber deverá marcar o julgamento logo. Inclusive, a pauta de julgamentos da Presidência deve ser divulgada semanalmente durante os meses de setembro e outubro, então não é possível determinar de antemão o que será julgado. Nos meses seguintes, a ministra pretende trazer maior previsibilidade à pauta.
Rosa Weber levará para a presidência ações que ela considera importantes e que vai querer julgar antes de se aposentar. Portanto, o processo sobre descriminalização do abordo deve ser pautado até outubro do ano que vem, quando a ministra completa 75 anos.
A questão é discutida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, proposta pelo PSOL em 2017. O partido defende a descriminalização do aborto com consentimento da gestante nos primeiros três meses de gestação.
Em agosto de 2018, Rosa Weber convocou uma audiência pública com representantes de diferentes setores – comunidade científica, grupos religiosos, juristas, políticos, entidades governamentais e organizações internacionais.
“Toda questão submetida à apreciação do Judiciário merecerá uma resposta. Uma vez provocado, o Judiciário tem de se manifestar”, disse Rosa Weber ao abrir os trabalhos. Desde então, o STF não iniciou o julgamento do mérito.
A descriminalização do aborto no STF
Atualmente, o aborto é crime tipificado pelo Código Penal, de 1940, que pune a interrupção da gestação provocada pela gestante ou com seu consentimento. A pena é de um a três anos para a mulher que aborta; e pode chegar a quatro anos para quem a ajuda.
Antes da ADPF 442, o tribunal já lidou com a questão na última década – mas, até o momento, nunca em uma ação abrangente, que pode incluir todas as mulheres e profissionais de saúde.
Em 2016, a 1ª Turma do STF suspendeu a prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica que realizava abortamentos no Rio de Janeiro. A decisão valia apenas para esse caso, mas é o precedente mais relevante para a descriminalização do aborto consentido (HC 124.306).
A maioria dos ministros concordou que não haveria crime se a interrupção da gestação acontecesse até a 12ª semana. A tese foi levantada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Para fixar esse patamar, ele levou em conta a inviabilidade da vida fora do útero e o incipiente desenvolvimento fetal. Também se baseou nas experiências de países desenvolvidos.
“Como pode o Estado – isto é, um delegado de polícia, um promotor de Justiça ou um juiz de Direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade?”, afirmou o ministro.
O voto de Barroso foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Também concordaram com a soltura Luiz Fux e Marco Aurélio, mas não se manifestaram sobre a descriminalização do aborto no início da gravidez.
De acordo com o Código Penal, não são crimes os abortamentos realizados por médicos quando há risco à vida da gestante ou em caso de gravidez decorrente de violência sexual. É também legal o aborto se o feto é anencefálico, conforme decisão do STF em 2012, na ADPF 54.
Naquele caso, que teve relatoria do ministro aposentado Marco Aurélio Mello, a maioria do plenário entendeu que obrigar a mulher manter a gravidez quando o feto não tem cérebro gera riscos à saúde dela. Além disso, nessas situações, não haveria sobrevida dele fora do útero. Assim, não se discutia a autonomia para decidir manter uma gestação.
Essa decisão veio após oito anos da abertura da ação, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, em 2004. No julgamento, além de Mello, foram favoráveis oito ministros, mas apenas quatro ainda estão na corte: Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber.
Já Ricardo Lewandowski votou contra e Dias Toffoli se manifestou impedido de julgar, já que havia expressado posicionamento favorável enquanto era advogado-geral da União.
Em 2020, o plenário virtual do STF rejeitou uma ação que defendia o direito ao aborto nos casos em que o feto desenvolveu microcefalia após a gestante se infectar com o vírus zika.
Nesse caso, a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou como prejudicada uma ação direta de constitucionalidade sobre a epidemia de zika e por não conhecer a ADPF que demandava a descriminalização do aborto. Ambos os processos haviam sido movidos pela Associação Nacional dos Defensores Públicos.
Cármen Lúcia foi acompanhada pela totalidade dos ministros. Barroso fez a ressalva que a extinção das ações “adia a discussão de um tema que as principais Supremas Cortes e tribunais constitucionais do mundo em algum momento já enfrentam: o tratamento constitucional e legal a ser dado à interrupção de gestação, aos direitos fundamentais da mulher e à proteção jurídica do feto”.
Além da ação que Rosa Weber é relatora, há outros processos envolvendo o aborto no Brasil a serem decididos pelo STF. Na ADPF 989, aberta em junho, quatro associações pedem que o tribunal determine ao Poder Executivo a adoção de providências para assegurar a realização do aborto nas hipóteses legais.
O foco é, principalmente, nos casos de gravidez decorrente de violência sexual, já que vítimas encontram dificuldades de acesso ao abortamento na rede pública de saúde. É demandando que sejam considerados inconstitucionais quaisquer atos que restrinjam as possibilidades de aborto previstas em lei, além da omissão do Ministério da Saúde em facilitar o acesso de vítimas ao procedimento.
O pedido é da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e da Associação Rede Unida. O relator desta ADPF é o ministro Edson Fachin. Em pedido de informações ao governo federal, ele afirmou que o quadro narrado na ação é grave e indica um padrão de violação sistemática do direito das mulheres.