Os partidos Rede Sustentabilidade, PDT e Cidadania entraram nesta sexta-feira (22/4) com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto do presidente Jair Bolsonaro que concedeu “graça constitucional” – ou seja, perdão da pena – ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), um dia depois de ele ser condenado pelos ministros da Corte. A ministra Rosa Weber foi sorteada relatora da ação da Rede e, por prevenção, virou relatora também das demais.
Entre os fundamentos para os pedidos, os dois partidos alegam que o decreto deve ser considerado inconstitucional porque, por mais que o indulto esteja na Constituição, não estaria amparado em outros preceitos constitucionais como o Estado Democrático de Direito, separação de poderes, e os princípios de moralidade da Administração Pública.
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Em sua inicial, a Rede argumentou que “o presidente também manifesta seu completo desprezo à lógica do funcionamento do instituto da graça cujo cabimento constitucional deve ser visto com necessária lupa, dada sua ancestralidade autoritária e centralista de monarquias absolutistas pretéritas”. A sigla aponta ainda que a medida despreza a separação de poderes, uma vez que subjuga a competência constitucional do Supremo de julgar parlamentares federais por crimes cometidos durante o exercício do mandato.
Silveira foi condenado no julgamento à perda do mandato, à suspensão dos direitos políticos e a uma pena de 8 anos e 9 meses, pelos crimes de ameaça às instituições, ao estado democrático de direito e aos ministros do Supremo. No entanto, o parlamentar foi absolvido em relação ao crime de incitação de animosidade entre as Forças Armadas e as instituições civis ou a sociedade. O STF ainda determinou o pagamento de uma multa estimada em R$ 192,5 mil acrescida de correção monetária. Os ministros acompanharam o voto do relator, Alexandre de Moraes.
Segundo o JOTA apurou, apesar da graça concedida pelo presidente, as penas de perda do mandato de Daniel Silveira e a suspensão dos direitos políticos permanecem aplicáveis. Além disso, mesmo com a graça, o deputado pode vir a ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e ser considerado inelegível.
Na ação, a legenda de oposição alega ainda que, no caso específico do instituto da graça constitucional, o histórico do instituto é servir como corolário do Estado Democrático de Direito em sua vertente de proteção humanitária. A Rede Sustentabilidade argumenta ainda que a iniciativa não pode servir como “guarida para a proteção de discursos antidemocráticos e incitadores de indevida animosidade social em face das instituições republicanas”.
“Aliás, não pode, sobretudo, servir como um mecanismo de revisão de decisões judiciais, sobretudo aquelas tomadas pela Corte Suprema do país no exercício de sua competência constitucional, o que naturalmente macula a separação de poderes”, escrevem os advogados.
A sigla pede, então, a declaração de nulidade do Decreto, “inclusive como medida necessária para o arrefecimento de ânimos de atores que o Presidente da República pretende, infelizmente, inflamar”.
“No pernicioso e infeliz de um Presidente que se preocupa mais em ser um incendiário do que um apaziguador dos ânimos nacionais – buscando soluções para os gravíssimos e estruturais problemas brasileiros, sobretudo a inflação, que faz milhões sofrerem de grave insegurança alimentar –, Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional devem funcionar como os Bombeiros da República. Do contrário, não mais teremos uma República Democrática, que certamente são a melhor forma de governo e regime político que conhecemos”, concluem os advogados.
Para o PT, “não há dúvidas a respeito do desvio de finalidade, uma vez que o presidente da República ultrapassou os limites de seu cargo para proteger um aliado e apoiador político”.
O PDT, por sua vez, fala em “nítido desvio de finalidade na edição de um ato eminentemente autoritário, na medida em que questiona a decisão encaminhada por este Supremo Tribunal fora da ambiência dialógica do processo, que tem os meios recursais e processuais de insurgência próprios”.
“Evidencia-se que o ato em apreço, para além de afrontar a supremacia da Constituição Federal de 1988, revela um espectro de odiosos acintes aos princípios da separação dos poderes, do devido processo legal, da moralidade administrativa, na vertente do desvio de finalidade e da impessoalidade; razão pela qual o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuíza esta Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para impedir que o referido ato possa violar direitos constitucionalmente assegurados”, diz a inicial assinada pelo advogado Walber de Moura Agra.
O Cidadania apontou que o decreto tem, entre outros objetivos, “notório intuito de desafiar a autoridade” do Supremo e “de proteção de aliado político”. “Fatos configuradores de DESVIO DE FINALIDADE, à luz da teoria dos motivos determinantes, que permitem a declaração de nulidade judicial do indulto presidencial em questão, à luz do decidido por esta Suprema Corte no julgamento da ADI 5874″, escrevem os advogados.
Petição de Lira
No mesmo dia do julgamento de Silveira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), protocolou uma petição no STF para questionar a Corte a quem, afinal, caberia a decisão de cassação do mandato parlamentar – o que, no seu entendimento, caberia ao Congresso. A questão já havia sido levantada pelo ex-presidente da Casa Rodrigo Maia numa ação de 2018. Na época, o Supremo condenou o ex-deputado Paulo Feijó (PP-RJ) e determinou a perda do cargo, com a devida comunicação da decisão à Casa Legislativa para fins de mera declaração.
“Passo seguinte, seja conhecida e julgada procedente a ADPF, para
reconhecer que, diante das condenações penais transitadas em julgado,
compete às Casas do Congresso Nacional decidir pela perda do mandato
eletivo, nos exatos termos do art. 55, VI, § 2º, da Constituição Federal”, diz Lira na petição, ajuizada na mesma ADPF 511 em que Rodrigo Maia, então presidente da Câmara, fez a mesma pergunta ao Supremo.
Repercussão do decreto de Bolsonaro
A bancada do PSOL na Câmara protocolou nesta sexta-feira (22/4) um projeto de Decreto Legislativo para sustar perdão de Bolsonaro a Silveira. “Nenhum direito constitucional é absoluto. Obviamente, a liberdade de expressão não é um direito ilimitado, devendo respeitar outros direitos previstos na Constituição Federal. Dessa forma, a liberdade de se expressar não pode se confundir com o discurso de ódio e o incentivo à violência”, diz o texto.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), divulgou nota em que diz que “há uma prerrogativa do presidente da República prevista na Constituição Federal de conceder graça e indulto a quem seja condenado por crime”.
“Certo ou errado, expressão de impunidade ou não, é esse o comando constitucional que deve ser observado e cumprido. No caso concreto, a possível motivação político-pessoal da decretação do benefício, embora possa fragilizar a Justiça Penal e suas instituições, não é capaz de invalidar o ato que decorre do poder constitucional discricionário do Chefe do Executivo”, argumentou o presidente do Senado.
Em nota, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) manifestou repúdio ao decreto presidencial, que classificou como “conduta é gravíssima”: “O inapropriado interesse do presidente da República em desautorizar e colidir com o Supremo Tribunal Federal macula o pilar da independência entre os poderes, fere a democracia e visa a inaugurar nova crise, gerando sério risco de ruptura institucional em desfavor das liberdades e das conquistas constitucionais”.
Entenda o processo contra Daniel Silveira
A Procuradoria Geral da República (PGR) acusou o deputado de três crimes: o de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal), incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo e tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União (artigos 18 e 23 da Lei de Segurança Nacional – Lei 7.170/1973)
Além de incitar uma invasão no STF, o deputado também defendeu o retorno do Ato Institucional (AI) 5, instrumento da ditadura militar, para promover a cassação de ministros do STF, com referências aos militares e aos ministros, visando promover uma “ruptura institucional”.
A defesa do parlamentar alegou a existência de nulidades processuais, como o não oferecimento de acordo de não persecução penal e a extinção do crime no que se refere à incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo e à prática de crimes contra a segurança nacional.