Análise

Proposta para precatórios conflita com decisões do STF, mas há espaço para mudança

STF foi confuso no tema, segundo um ministro. Agora, pode começar do zero e dar um novo rumo para o debate

precatórios STF ISS no Pis/Cofins
Sessão plenária do STF. durante a pandemia / Crédito: Nelson Jr./SCO/STF
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A proposta de emenda constitucional que prevê parcelamento de precatórios federais conflita diretamente com os julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto em ações que foram decididas em 2013. Elas contestavam a emenda de 2009 que permitiu o parcelamento de precatórios por estados e municípios.

O Supremo foi claro na decisão em plenário: o índice de correção dos precatórios deveria ser o que garantisse a recomposição de perda inflacionária e o pagamento parcelado violava princípios constitucionais. Entretanto, depois desse julgamento categórica, a realidade se impôs – com os estados novamente deixando de pagar os precatórios em razão da falta de recursos. E o Supremo foi relativizando sua própria decisão.

A PEC encaminhada pelo governo Bolsonaro, depois de vencido o caminho da política, será contestada no STF. O tribunal permanecerá firme no precedente? Ou a relativização da decisão, quando o Supremo permitiu que o parcelamento vigesse por mais cinco anos, fará com que o tribunal reveja sua decisão? Como disse um dos integrantes da Corte, que ainda não leu a PEC, o Supremo foi confuso nesse tema. E agora, afirmou outro dos ministros, pode começar do zero e dar um novo rumo para o debate.

O que foi decidido em 2013? Na ementa da ADI 4.357 estão expressos, em dois pontos, argumentos que se chocam com a proposta do governo Bolsonaro. O primeiro dos trechos trata do índice de correção a ser aplicado. Na emenda anterior, o índice de correção era o mesmo aplicado às cadernetas de poupança.

O Supremo julgou que o índice deve servir para evitar que os valores sejam corroídos pela inflação:

O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).

E, noutro acórdão, quando julgados os embargos de declaração à esta decisão, o Supremo repetiu: “O Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial (IPCA-E) é o índice de correção monetária a ser aplicado a todos os valores inscritos em precatórios, estejam eles sujeitos, ou não, ao regime especial criado pela EC nº 62/2009, qualquer que seja o ente federativo de que se trate.”

O segundo dos trechos da ementa do julgamento do STF trata do parcelamento dos pagamentos de precatórios.

O regime “especial” de pagamento de precatórios para estados e municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).

O governo parte da realidade orçamentária para tentar mudar a sistemática de pagamento dos precatórios. Os números subiram exponencialmente de 2013 para cá, chegando perto dos R$ 90 bi. Mas o argumento jurídico precisa ser mais bem trabalhado do que inicialmente disposto pelo ministro Paulo Guedes.

Recentemente, em conversa com ministro do Supremo, ele quis culpar o tribunal por parte significativa desse aumento – com derrotas impostas pelo STF para o governo, como no caso do Fundef. Foi retrucado, evidentemente.

O governo tardou a lidar com esse tema, dizem alguns integrantes do STF. Pecou na gestão de diversos temas em tramitação no Supremo, deixou de dialogar – não foram poucas as reclamações de ministros da falta de atenção do Executivo com processos que estavam na agenda do STF. O tribunal, a despeito do conflito político que Bolsonaro criou e da contaminação pela proximidade do ano eleitoral, deve analisar esse tema de olho nas contas públicas. Precisará, contudo, trabalhar para garantir maioria de votos. Hoje, o cenário é totalmente incerto. Ainda é cedo, dizem ministros e assessores, para uma projeção.