Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, estados e municípios não precisam de autorização do Ministério da Saúde para promoverem requisição administrativa de bens de saúde como medida de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Além disso, a suspensão dos pedidos feitos até aqui implicaria, segundo ele, em agravamento da situação nas redes de saúde locais.
“Há de ser observado o pacto federativo e as particularidades inerentes ao regime de repartição de competências no contexto da epidemia. É preciso que se busque o necessário equilíbrio na atuação dos entes federativos, em uma união de esforços e colaboração mútua, para lidar com o desafio da epidemia de Covid-19 que assola o país”, afirma Aras.
A manifestação foi feita em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.362, relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski. O procurador-geral se posicionou pela improcedência do pedido para que a Corte criasse, por interpretação, regras para a requisição de bens e serviços de saúde parte de gestores públicos locais. Leia a íntegra do documento.
A ação foi proposta pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) no início de abril com pedido urgente de liminar, para que seja fixada interpretação a dispositivos da “Lei da Quarentena” (Lei 13.979/20) a fim de que – no combate à pandemia do coronavírus – “todas as requisições administrativas projetadas para serem exercidas por gestores de saúde estaduais ou municipais sejam submetidas ao prévio exame e autorização do Ministério da Saúde para serem, só depois disso, implementadas”.
Na petição inicial da ADI 6.362, a entidade nacional dos hospitais privados assegura que a lei em questão “enumera um expressivo conjunto de medidas passíveis de serem adotadas, que interferem sobre direitos fundamentais e sobre regras habituais de comportamento da Administração Pública”.
Aras argumenta que, em qualquer modalidade de requisição, o procedimento é unilateral e com indenização posterior, justamente porque o fundamento é a necessidade pública inadiável e urgente. A motivação para a medida é que deve ser feita previamente.
Além disso, ele defende que tal pedido é, na verdade, para que o STF aja como legislador, e não apenas como julgador. Ainda que seja permitido ao Supremo, ao apreciar a constitucionalidade da norma, fazer uma interpretação conforme a Constituição, a decisão não pode alterar o conteúdo dela.
“Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, ainda que pela via do controle concentrado de constitucionalidade, alterar o conteúdo da lei para nela inserir norma não desejada ou para alterar-lhe o sentido inequívoco, sob pena de violação do princípio da divisão funcional de poder.”
Ainda assim, ele ressaltou que a improcedência da ação não impede que se centralize na direção nacional do SUS “a coordenação de requisições de bens e insumos de saúde escassos, de demorada e dificílima aquisição, a exemplo de respiradores pulmonares”, mas por via regulamentar.
“Em que pese a competência material comum dos entes federativos para a requisição administrativa de bens e serviços de saúde, quando se tratar de produtos escassos no mercado e de aquisição dificultada (a exemplo de respiradores pulmonares), haverá necessidade de atuação estratégica orientada pela direção nacional do SUS, a fim de coordenar a situação nacional e prestar auxílio às unidades que deles imediatamente mais necessitem. Evita-se, com isso, a busca predatória por estes produtos e assegura-se o equilíbrio à distribuição de recursos e a equidade de acesso ao sistema de saúde”, disse.
No Supremo
Lewandowski é relator da ADI 6.362 por prevenção. Isso porque ele já é relator de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 671), com base na qual o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pretende que, enquanto durem os efeitos da pandemia do coronavírus, a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios – em face da escassez de leitos em UTIs – “executem a requisição administrativa da totalidade dos bens e serviços de pessoas jurídicas e físicas relativos à assistência à saúde prestados em regime privado”.
Outros casos pontuais têm chegado à Corte, como ações em que a requisição de ventiladores pulmonares pela União foram bloqueadas por decisões monocráticas. Na primeira delas, o ministro Celso de Mello determinou, em 22 de abril, que a Intermed Equipamento Médico Hospitalar entregasse ao governo do Maranhão, no prazo de 48 horas, 68 respiradores comprados pelo estado, mas que foram requisitados pela União. O ministro afirmou que apenas bens particulares podem ser requisitados.