O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu, na última segunda-feira (3/4), ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare inconstitucional a possibilidade de prescrição do crime de trabalho análogo à escravidão.
O delito é caracterizado pela submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, sujeitando a pessoa a condições degradantes de trabalho, ou restringindo sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. A pena varia de 2 a 8 anos de reclusão.
Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), foram resgatadas 2.575 pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão no ano passado. No acumulado de 2023 até 20 de março, o número foi de 918, um aumento recorde de 124% em relação ao mesmo período de 2022.
“Cento e trinta e quatro anos após a abolição formal da escravização de pessoas no país, a realidade comprova a persistência de formas de escravidão contemporâneas, a atingir setores populacionais mais vulneráveis por fatores históricos, sociais, econômicos, migratórios, étnicos, raciais e de gênero,” ressaltou Aras.
Nesse contexto, acrescentou, a prevenção geral e especial das práticas são impactadas pela “frequente prescrição desses delitos”, que além de “incompatível com as previsões constitucionais e internacionais sobre a questão”, estimula a sensação de impunidade e reduz a proteção às vítimas.
O procurador-geral sustentou que a proibição do trabalho escravo está inserida em um regime amplo da garantia do direito à liberdade e dignidade humana, que deriva não só dos preceitos constitucionais, mas também das normas e decisões de Tribunais internacionais.
Como ressaltou, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) reconheceu, em diversas ocasiões, ser inadmissível a incidência da prescrição na investigação e eventual punição dos responsáveis por graves violações de direitos humanos.
“O direito a não ser submetido à escravidão encontra-se devidamente acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro, e a imprescritibilidade das condutas criminosas contra elas atentatórias é decorrência do conjunto integral de tutela da dignidade do trabalho afirmado pela Constituição Federal de 1988 e densificado pelas obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro.”
Para o PGR, a fixação de um limite temporal para a punição de crimes dessa natureza representa violação:
- à dignidade humana,
- ao valor social do trabalho,
- ao objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre e solidária,
- ao princípio internacional da prevalência dos direitos humanos,
- à liberdade e à integridade física do trabalhador,
- à proteção social do trabalho,
- à expropriação por práticas análogas à escravidão
- à imprescritibilidade do crime de racimo.
Aras pediu que seja declarada a não recepção pelo texto constitucional dos artigos do Código Penal relativos à prescrição (107, inciso IV; 109; 110; 111 e 112). Liminarmente, o procurador-geral da República requereu a determinação para que juízes e tribunais se abstenham de declarar a prescrição desse tipo de ilícito.
A matéria será apreciada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1053. O processo foi distribuído ao ministro Nunes Marques. Leia a íntegra do pedido.