Nesta segunda-feira (2/8), às 15h, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) abre o segundo semestre da Corte em 2021 já com julgamentos de impacto para empresas e trabalhadores. De acordo com a pauta de julgamento, a Corte irá decidir se o acordado deve prevalecer sobre o legislado quando há restrição a direitos trabalhistas não previstos constitucionalmente e também se os acordos podem ser incorporados a contratos individuais mesmo quando expirados.
O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.121.633, com repercussão geral reconhecida, trata da extinção do pagamento das horas in itinere – tempo de deslocamento entre a residência do funcionário e local de trabalho – em acordo coletivo (celebrado entre o Sindicato dos trabalhadores e a empresa), em troca de outros benefícios.
No caso concreto que chegou ao STF, uma empresa de mineração fez um acordo coletivo com o sindicato para que, em vez de pagar as horas de deslocamento dos funcionários, fornecesse o transporte. A partir disso surgiu uma discussão judicial: um acordo coletivo pode restringir direitos trabalhistas garantidos em lei infraconstitucional? O Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu que não. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 381 trata do mesmo tema e será julgada em conjunto.
O que está em jogo na ADPF 323
Já a ADPF 323, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), questiona a súmula 277 do TST que diz que “as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”. Trata-se da chamada ultratividade – quando, mesmo após o fim da vigência, os acordos coletivos continuam a produzir efeitos.
Com a reforma trabalhista do governo de Michel Temer, em seu artigo 614, parágrafo 3º, a ultratividade passou a ser vedada, e ficou proibida a estipulação de duração dos acordos coletivos em um período superior a dois anos.
No mês de junho, o relator das ações em questão, ministro Gilmar Mendes, determinou a suspensão dos processos que versem sobre os temas que tramitam nos tribunais trabalhistas, até que a Corte profira as decisões.
O que o julgamento significa para as empresas
A falta de um consenso a respeito dos temas gera insegurança jurídica. É o que explica Daniela Yuassa, sócia da área trabalhista do escritório Stocche Forbes. “Precisaria ter um alinhamento para criar a segurança jurídica. A lei fala uma coisa, mas o tribunal entende outra, então o que que está certo? Quem prevalece?”, questiona.
No caso de haver uma decisão contrária à aplicação da ultratividade, para Yuassa, existem pontos positivos e negativos para a empresa. “Por um lado é bom porque o que está negociado vai reger só durante o período de validade. Só que por outro lado, se a empresa e o sindicato não conseguirem chegar em um acordo de continuidade daquele esquema, existe uma perda de qualidade e isso é uma implicação negativa para a empresa”.
Já para Eduardo Alcântara, advogado trabalhista do Demarest, a expectativa das empresas é de que não seja aplicada a ultratividade, “justamente para possibilitar de tempos em tempos, de acordo com a validade, revisitar todos os benefícios inseridos”.
Cássio Casagrande, procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro e professor de Direito Constitucional na UFF, avalia que a ultratividade dificulta mais a negociação coletiva. “Se você dá ultratividade, os sindicatos ficam muito acomodados, porque basta que eles negociem uma vez que vale para sempre”, podendo gerar impasse nas próximas negociações, se propuserem mudanças que não agradem os sindicatos.
O outro efeito é que “o empregador pode ficar, talvez, muito temeroso de conceder benefícios numa convenção coletiva, porque pensa: ‘se conceder esse ano eu vou ter que conceder para o resto da vida. Então é preciso ponderar esses fatores”, explica o professor.
Já para a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), em manifestação enviada ao STF, caso o STF limite a ultratividade das normas coletivas, os trabalhadores terão prejuízos irreparáveis. Para a confederação, ocorrerá o que afirma Adalberto Moreira Cardoso: “o mercado, deixado a si mesmo, o mercado sem o Estado, é a guerra, a selva ou a máfia, ou tudo isso junto”.
Entenda o acordado sobre o legislado no STF
No ARE 1.121.633, o STF irá decidir se o acordado deve prevalecer sobre o legislado quando há restrição de direitos não previstos constitucionalmente em troca de algum outro benefício. No caso concreto, sindicato e a empresa podem concordar em não pagar ao funcionário valor equivalente ao tempo de deslocamento até o local de trabalho, substituindo por outro benefício.
“A categoria empresarial espera que haja uma possibilidade de fazer uma restrição, até pra que haja um equilíbrio na negociação coletiva. De um lado se restringe determinado direito trabalhista do empregado, mas no outro, dentro daquela negociação você pode ter vantagens maiores do que a lei estabelece”, afirma Eduardo Alcântara.
De acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso 26, é direito do trabalhador o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. Para o advogado, a discussão traz uma necessidade de posicionamento do STF acerca da aplicação do artigo.
Na ADPF 381, que será julgada em conjunto, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), ao pedir ingresso como amicus curiae ,afirmou que “a liberdade de pactuação nas normas autônomas coletivas não são plenas e irrefreáveis, havendo limites objetivos à criatividade jurídica da negociação trabalhista coletiva, não podendo prevalecer, por exemplo, quando concretizada mediante ato estrito de renúncia ou se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta, como já pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho”.