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Instituto pede ao STF anulação de decreto de Lula que limitou acesso a armas

Logo depois da posse, presidente revogou decretos de Jair Bolsonaro que facilitavam aquisição de armamentos

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Crédito: Unsplash

O Instituto Brasileiro de Tiro, associação de defesa dos interesses de proprietários de armas de fogo, requereu que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare inconstitucional o decreto editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que revogou decretos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que facilitavam a obtenção de armas e munições.

A medida foi assinada em 1º de janeiro, logo após a posse presidencial, e suspendeu registros para a aquisição e transferência de armas de uso restrito por colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) e a concessão de novos registros de clubes e de escolas de tiro.

Estudos da área da segurança pública demonstram que quanto maior a difusão de armas, maior a taxa de homicídios no país. Desde 2017, o Brasil tem experimentado uma queda nas mortes violentas por armas de fogo: que passaram de uma taxa de 30,9 por 100 mil habitantes naquele ano, para 22,3 em 2021. Mas o aumento de armamentos na sociedade não explica essa queda, afirmam os autores do estudo Armas de fogo e homicídios no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, .

De acordo com os pesquisadores, se não fosse a legislação permissiva quanto às armas de fogo, a redução dos homicídios — causada por outros fatores, como o envelhecimento populacional e o arrefecimento das guerras entre facções criminosas depois de 2018 — teria sido ainda maior. A estimativa é que se não houvesse o aumento de armas de fogo em circulação a partir de 2019, teria havido 6.379 homicídios a menos no Brasil.

O decreto também institui um grupo de trabalho para apresentar nova regulamentação ao Estatuto do Desarmamento, com prazo para conclusão dos trabalhos de 60 dias a partir da designação dos membros. O relatório final será encaminhado ao Ministro da Justiça e Segurança Pública.

Na visão do Instituto Brasileiro de Tiro, o decreto de Lula traria “inúmeros prejuízos aos Colecionadores, Atiradores e Caçadores e povo civil que possui armas de fogo, bem como aos Clubes de Tiro e Entidades de Tiro e Caça em funcionamento no Brasil, além de implantar insegurança jurídica, ferindo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”.

A entidade sustentou que o decreto fere a garantia de que todos são iguais perante a lei por fazer distinção entre os “mais de 1 milhão” que possuem armas de fogo e os demais brasileiros que desejam adquirir uma arma. “Não se pode afirmar que todos são iguais, enquanto uns podem ter armas de fogo e munições em quantidade superiores aos demais e a outros são negados esse direito.”

Ela também defendeu que a suspensão afronta os princípios da liberdade econômica e a livre concorrência, criando dificuldades que levarão o mercado construído ao redor das licenças para a aquisição de armas a parar e demitir trabalhadores em massa.

Requisitos

O pedido é apresentado em uma ação direta de inconstitucionalidade, cujos critérios de ajuizamento estão delimitados na Constituição. Pela regra, não é qualquer associação que pode propor uma ADI, apenas “confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.

Na petição inicial, o Instituto Brasileiro de Tiro diz que “atua diretamente defendendo os interesses de todas as pessoas que têm armas de fogo”, possuindo mais de dois anos de funcionamento e capilaridade em todo território nacional.

Mas para Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), não estão presentes os requisitos de admissibilidade.

Primeiro, porque não está claro se o instituto tem representação nacional. Ele explicou que o Supremo tinha um visão restritiva sobre o que era uma “entidade de classe”, limitada mais a sindicatos. Depois, passou-se a admitir associações que representavam magistrados, promotores e categorias da sociedade civil, desde que houvesse representatividade nacional.

“Não me parece ser o caso dessa associação, porque ela é uma associação civil, do Rio de Janeiro, que se presta a uma questão muito local. Não tem função nacional,” afirmou. “Uma associação como essa não pode propor ADI de modo algum.” Para isso, seria antes necessário provar que ela tem representação em pelo menos nove estados.

Não há dados acerca dos representados ou da presença em outras regiões, além do Rio de Janeiro, no site do Instituto Brasileiro de Tiro.

Além disso, Conci questionou a proposição de uma ação direta de inconstitucionalidade. Como a função do decreto é regulamentar uma norma, ele não poderia ser alvo de uma ADI.

“A única hipótese de um decreto ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade é quando ele tem fundamento direto na Constituição ou quando ele exorbita a lei, ou seja, quando além de regulamentar, há uma ampliação e criação de direitos, obrigações, etc.”, o que também não pareceu ser o caso.

O pedido do Instituto Brasileiro de Tiro, representado pelo advogado Leandro Rodrigo Menezes Pinheiro Tavares, será julgado na ADI 7.334. O ministro Gilmar Mendes será o relator.