
A Advocacia-Geral da União (AGU) mudou a posição na ação do Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a redução do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, e impacta na construção da Ferrogrão. Se antes a União se manifestava contrária ao pedido do PSOL e, portanto, pela constitucionalidade da lei — aprovada no governo Michel Temer — que diminuiu a área do parque, agora o entendimento é o de que a norma vai na contramão da preservação do meio ambiente, sendo, portanto, inconstitucional.
Ao mesmo tempo, a AGU entende que a posição contra a norma não repercute, necessariamente, na construção da Ferrogrão, tanto que se posiciona para que os procedimentos administrativos relacionados à construção da ferrovia sejam realizados. O empreendimento está parado porque há uma liminar do relator, ministro Alexandre de Moraes, suspendendo a lei que reduziu a área do parque.
A manifestação foi anexada na ADI 6553 nesta sexta-feira (26/5). O julgamento está previsto para ocorrer em plenário físico na próxima quarta-feira (31/5) – embora seja o último item da pauta.
A posição da AGU é uma tentativa de conciliar posições divergentes dentro do próprio governo federal sobre o assunto. De um lado, o Ministério dos Transportes defende a construção da ferrovia, que possibilitará o escoamento da produção de grãos do Mato Grosso ao Porto de Mirituba, no Pará. O projeto da Ferrogrão prevê 933 quilômetros de trilhos, com investimento estimado em R$ 12 bilhões.
Por outro lado, o Ministério dos Povos Indígenas e o do Meio Ambiente veem com preocupação a diminuição do parque pois impacta diretamente nas comunidades da região e na preservação ambiental. Na semana passada, a ministra Sônia Guajajara enviou um ofício à AGU para que se a instituição se manifestasse nos autos contra a lei que diminui a reserva do Jamanxim.
“A conversão da Medida Provisória 758/2016 na Lei 13.452/2017 resultou no descumprimento pelo Poder Público, em sua projeção representada pelo Parlamento, dos deveres constitucionais de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; e de proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”, diz a AGU no texto anexado nos autos.
E emenda: “Sem embargo de toda a exposição anterior, cabe apenas reiterar que o entendimento ora exposto não traduz, como dito, de forma alguma, posicionamento institucional no sentido de que a implantação da estrada de ferro EF-170, por si só considerada, seria lesiva ao meio ambiente. De fato, quando concluída, e desde que observados todos os requisitos ambientais, a “Ferrogrão” significará elevada capacidade de transporte e competitividade no escoamento da produção pelo Arco Norte, papel esse que, atualmente, é realizado pela BR-163, possibilitando inclusive mitigar o tráfego de caminhões naquela rodovia, proporcionando menor emissão de gases de efeito estufa decorrentes desse tráfego”.
A AGU explica que mudou a posição por uma série de motivos. Um deles seria o fato de que, quando ocorreu a conversão da Medida Provisória (MP) 758/2016 na Lei 13.452/2017, foi retirado do texto a medida compensatória pela construção da ferrovia, que seria a incorporação ao Jamanxim da Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, de 51 mil hectares. Dessa forma, a supressão da área do parque não recebeu nenhuma contrapartida ambiental. Além disso, a AGU sustenta que não houveram estudos prévios para justificar a retirada da medida compensatória.
Ainda segundo o texto enviado ao Supremo pela AGU, a redução de área no Jamanxim deveria ser antecedida por estudos prévios realizados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
“No caso em tela, portanto, em que se trata de diminuição de área de proteção integral em unidade de conservação ambiental — a qual acarreta, na prática, a redução da proteção ao meio ambiente —, a existência de estudos técnicos atestando a viabilidade da medida normativa possui caráter ainda mais fundamental do que no supracitado caso julgado por essa Corte”, diz o texto.
Posição anterior
A AGU já havia se manifestado nos autos durante a gestão de Bruno Bianco, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Na ocasião, o entendimento foi pela improcedência da ação, mantendo assim a diminuição da reserva e a construção da Ferrogrão. Na ocasião, a AGU afirmou que a MP nunca foi objeto de impugnação judicial e que sofreu grandes transformações no texto na discussão até virar lei. Além disso, defendeu que a MP não reduz, por si só, a unidade de conservação, pois simplesmente permite que os estudos ambientais da Ferrogrão sejam iniciados, sem nenhum dano ambiental direto.
A ação foi ajuizada pelo PSOL em 2020 e questiona a alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, por meio da Lei 13.452/2017, fruto da conversão da Medida Provisória 758/2016. O partido argumenta que, por alterar áreas de unidades de conservação, a mudança não poderia ser feita por medida provisória, mas somente pela promulgação de lei em sentido formal, com a participação da sociedade civil e dos órgãos e das instituições de proteção ao meio ambiente.
Além disso, a legenda defende que a lei afeta os povos indígenas que habitam a região e viola um patrimônio cultural imaterial, que é o Parque do Jamanxim. Na ação, o partido pediu também a suspensão liminar da lei devido à construção do projeto da Ferrogrão.