O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (2/3) a favor de coibir o racismo institucional no Brasil e propôs parâmetros para as abordagens policiais, como a proibição de realização de revista pessoal com base na raça, cor da pele ou aparência física. Para o magistrado, a revista pessoal deve estar fundada em elementos concretos e objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis. Além disso, a abordagem deve ser justificada pelo policial para controle futuro do Poder Judiciário. Fachin é o relator do Habeas Corpus (HC) 208240, que discute se a abordagem por perfilamento racial é válida ou não.
O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (8/3).
No caso concreto, Fachin não conhece o habeas corpus contra impetrado pelo acusado, mas declara a nulidade da revista pessoal feita pelos policiais, e, consequentemente, todos os atos seguintes, levando, portanto, ao fim da ação penal. O magistrado não conhece da ação porque a questão do perfilamento social não foi tratada nas instâncias inferiores.
Até o momento, quatro ministros votaram. Embora o relator defenda a necessidade de se fixar uma tese para impedir o racismo estrutural no Brasil a partir desse habeas corpus, os outros ministros que já se manifestaram – André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli – entendem que esse não é o melhor processo para tratar do assunto. Para eles, no caso concreto, a abordagem policial não se deu por conta da cor da pele do indivíduo, mas por ele estar em um local conhecido como ponto de venda de drogas. Por isso, os três denegaram o habeas corpus e não há consenso sobre a tese.
Durante a leitura de seu voto na sessão desta quinta-feira, Fachin destacou que a cor da pele foi o que primeiro despertou a atenção do policial na situação em análise. “Há um desafio que deve nos comprometer todos: sociedade, sistema de justiça e forças policiais, a reprimir comportamentos que consciente e inconscientemente atribuem às pessoas negras sentidos negativos decorrentes de estereótipos que as situam como sujeitos criminosos em decorrência da cor da pele”, afirmou. “Não há crime e não pode haver castigo, pela cor da pele”, acrescentou.
Fachin fixou a seguinte tese:
“1) A busca pessoal independente de mandado judicial deve estar fundada em elementos concretos e objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, cor da pele ou aparência física.
2) A busca pessoal sem mandado judicial reclama urgência para a qual não se pode aguardar uma ordem judicial.
3) Os requisitos para a busca pessoal devem estar presentes anteriormente à realização do ato e devem ser devidamente justificados pelo executor da medida para ulterior controle do Poder Judiciário”.
Fachin aproxima-se, portanto, dos argumentos trazidos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e organizações não-governamentais que defendem a existência do racismo institucional quando policiais acabam usando estereótipos de cor e socioeconômicos no Brasil para fazerem suas abordagens.
Os demais ministros que se manifestaram, Moraes, Mendonça e Toffoli, também entendem que há racismo no Brasil, mas que neste caso em análise não foi a motivação principal. “O que ocorre é que, a meu ver, não é um bom caso para se caracterizar o perfilamento racial. Existe perfilamento racial em várias operações? Existe. Agora, nesse caso, há provas de que ocorreu?”, questionou Moraes.
Na sequência, Moraes continuou: “Quais os elementos que a sentença, a partir da denúncia e da instrução, utilizou para a condenação? Exatamente que se trata de uma biqueira, uma boca de fumo. Uma coisa é estar na frente do shopping em pé fazendo uma espécie de transação comercial com quem está no carro. Outra coisa, basta ir a qualquer boca de fumo, é exatamente. Isso é um modus operandi.”
O exemplo de Moraes deixou Fachin incomodado, que logo rebateu: “Me parece que a questão não é exatamente essa. O exemplo que vossa excelência vem dar agora, do shopping center, comprova o quanto é difícil reconhecer a estrutura racista que está incrustada em todos”.
Moraes logo complementou. “Perdão, ministro Fachin, na verdade, eu não disse que era um negro, um branco no shopping center”. E Fachin continuou: “Mas as camadas sociais se diferenciam”. Moraes rebateu: “Eu estou dizendo qual é o modus operandi. Qual é o modus operandi da compra de droga em bocas de fumo. Qual é o modus operandi. As pessoas não descem, tomam um chá, batem um papo e depois se despedem”. E mais uma vez, Fachin retrucou: “É porque normalmente, na periferia, não há chá, ministro.” Após o debate, Moraes prosseguiu com o voto.
No caso em análise pelos ministros, uma pessoa foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a 7 anos, 11 meses e 8 dias de reclusão, em regime fechado, por tráfico de drogas, por ter sido flagrada com 1,53 gramas de cocaína, na cidade de Bauru (SP). No Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pena foi diminuída para 2 anos e 11 meses de reclusão, em regime aberto. No STJ, os ministros discutiram o racismo estrutural na abordagem policial. O habeas corpus então chegou ao Supremo.