A sensação de anonimato faz com que muitos usuários das redes sociais não sigam as regras de comportamento e os cuidados que normalmente adotam nos comentários pessoais do dia a dia. Em discussões políticas, as posições são exacerbadas e, às vezes, transbordam para a ofensa capaz de romper antigas amizades e encerrar relacionamentos até então duradouros. Nas eleições, o quadro tende a se agravar com a concentração das paixões no período crítico que antecede a votação. Muitos imaginam que as dificuldades de controle e identificação dos usuários autorizam uma liberdade de expressão bruta, recheada de adjetivos pejorativos, sem consequências.
Entretanto, não é assim. O que se fala, ou melhor – na linguagem própria das redes –, o que se posta na internet gera responsabilidades e pode caracterizar crime. A simples reprodução de um comentário pode ser suficiente para atrair sanção.
A livre manifestação do pensamento encontra restrição na própria Constituição, que, ao trazer essa garantia, veda o anonimato (CF, art. 5º, IV). No âmbito eleitoral, o art. 57-D da Lei nº 9.504, de 1997, reafirma que “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet“.
Sobre o anonimato, vale lembrar que ele não se confunde com o uso de pseudônimo, ao qual é dada a mesma proteção dispensada ao nome. O pseudônimo é adquirido por notoriedade da pessoa por ele identificada. Justamente esse critério identificador é que o distancia do anonimato. Ademais, o uso do nome fictício reconhecido não pode ser utilizado como subterfúgio daquele que, não se identificando, viola o direito de terceiro ou a legislação. Mesma nos países em que o anonimato é compreendido como uma garantia da liberdade de expressão, como ocorre nos Estados Unidos (McIntyre v. Ohio Elections Comission – 514 US 334), a manifestação secreta não serve de escudo à irresponsabilidade e à prática de atividades ilícitas.
De igual forma, como nenhum direito é absoluto, nunca é demais lembrar que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas também constituem garantias constitucionais, as quais justificam o direito de resposta e a indenização por dano material, moral ou à imagem (CF, art. 5º, V e X).
A interpretação sistemática da Constituição demonstra que a liberdade de expressão não permite nem justifica que a honra alheia – do candidato ou do eleitor – seja atacada impunemente.
Além das hipóteses de direito de resposta previstas na legislação eleitoral, o qual, em razão da celeridade do processo eleitoral, deve ser decidido em 72 horas pela Justiça Eleitoral, o Código Eleitoral tipifica como crime a calúnia (atribuir falsamente fato definido como crime); a difamação (imputar fato determinado ofensivo à reputação); e a injúria (ofender a dignidade ou o decoro). Também responde por calúnia quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga (Cód. Eleitoral, art. 324, §1º). Assim, a reprodução ou retransmissão de comentários que imputem a prática de fato penal típico a determinado candidato pode resultar em responsabilidade de quem, em tese, estaria “apenas levando adiante a mensagem”, quando demonstrado que o faz sabendo ser falsa a informação, com propósito de influir nas eleições.
Afinal, como o STJ já se pronunciou “o ato de atribuir o cometimento de um crime a alguém tem de estar marcado pela seriedade, com aparelhamento probatório, sob pena de incorrer em dolo eventual. É inaceitável que alguém alegue estar de boa-fé quando não se abstém de formular contra outrem uma grave acusação à vista de circunstâncias equívocas. O menor indício de dúvida não autoriza uma pessoa a lançar comentários ofensivos contra outra, em especial quando se atribui prática de crimes. Para tal, existem órgãos de investigação e persecução, os quais devem ser provocados. A presunção de inocência não pode virar ‘letra morta’ no nosso sistema. E é papel do Judiciário preservar essa garantia individual.” (STJ, AP nº 613/SP).
As múltiplas ofensas praticadas nas redes sociais preocupam os políticos.
Além disso, pouco importa que o comentário componha uma onda de pronunciamentos, pois, como também consta da condenação imposta na Ação Penal nº 613, pela Corte Especial do STJ: “quando várias pessoas denigrem a imagem de alguém, via internet, cada uma se utilizando de um comentário, não há coautoria ou participação, mas vários delitos autônomos”.
Para a caracterização do crime eleitoral, contudo, é necessário que a ofensa esteja relacionada com as eleições e com as pessoas que a disputam. O TSE já definiu, por exemplo, que a configuração do delito de difamação eleitoral, previsto no art. 325 do Código Eleitoral, exige que a ofensa ocorra na propaganda eleitoral ou para os fins desta. No exame do caso concreto, considerou-se que as referências feitas ao prefeito municipal, ao candidato que disputa a sua sucessão e à formação de coligações são suficientes para demonstrar o propósito do agente de influir na propaganda eleitoral de forma negativa e que a filiação partidária do agente, aliada à assessoria por ele prestada aos candidatos da oposição, reforçaria o caráter eleitoral da ação. (Recurso Especial nº 1968-19).