Conflito entre os Poderes

Bolsonaro x STF: 5 pontos de atenção

Embates do presidente com atores do STF e do TSE chegaram ao ápice nesta semana. Escalada produz cenário de incertezas

Bolsonaro x STF
O presidente do STF, Luiz Fux, e o presidente da República Jair Messias Bolsonaro / Crédito: Marcos Corrêa/PR

A decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de aprovar por unanimidade, nesta segunda-feira (2/8), um inquérito administrativo e um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), fosse investigado pelos recentes ataques ao sistema eleitoral abriram a semana de maior atrito entre o presidente e o STF.

Na quarta-feira (4/8), foi a vez de Alexandre de Moraes concordar com o pedido encaminhado pela Corte Eleitoral e iniciar uma investigação contra Bolsonaro  por possíveis crimes de calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa, denunciação caluniosa e delitos contra a Lei de Segurança Nacional e o Código Eleitoral. A investigação tramitará em conjunto com o inquérito das fake news, relatado por Moraes.

Ainda assim, Bolsonaro não baixou o tom. No dia seguinte (5/8), o presidente disse em entrevista que “a hora dele [Moraes] vai chegar. Porque está jogando fora das quatro linhas da Constituição há muito tempo. Não pretendo sair das quatro linhas para questionar essas autoridades, mas acredito que o momento está chegando”. Horas depois, durante a sessão plenária, o presidente do STF, Luiz Fux, informou que cancelou a reunião anunciada entre os chefes de Poderes, entre eles o presidente da República.

Durante a fala, Fux disse que “o pressuposto do diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes”. Porém, o “presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes”.

 

Antes mesmo de tomar posse, Bolsonaro já colocava em dúvida — sem nunca ter apresentado provas — o processo em que venceu sete disputas para três cargos eletivos diferentes. Na última, em 2018, com vantagem de 10,7 milhões de votos em relação ao adversário, Fernando Haddad (PT).

“Não é porque nós ganhamos agora que devemos confiar nesse processo de votação”, afirmou em dezembro de 2018 o então presidente eleito. “Entendemos o apoio e a preocupação de muitos integrantes do TSE que diziam que não tínhamos de nos preocupar, mas temos sempre de nos preocupar porque eles não dormem no ponto, não perdem por esperar para mudar o destino do nosso Brasil.” A fala ocorreu durante encontro de apoiadores, segundo a revista Veja.

Abaixo, o JOTA lista 5 variáveis de risco ligadas à relação entre Bolsonaro e membros do Judiciário. São pontos que podem influenciar a governabilidade e, portanto, o ambiente de negócios no Brasil. Com o desgaste institucional consolidado, a governabilidade fica ainda mais condicionada ao respaldo do centrão e ao binômio economia-saúde.

Assinantes JOTA PRO Poder participaram nesta sexta-feira (6/8) de uma call exclusiva com o analista-chefe do JOTA em São Paulo, Fábio Zambeli, e o diretor de Conteúdo e cofundador do JOTA, Felipe Recondo, sobre o cenário da crise institucional entre os Poderes.

Conheça o JOTA PRO Poder, a cobertura dos Três Poderes feita pelo JOTA para tomadores de decisão.

1) Inquérito das fake news

Após o pedido do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no Supremo, decidiu que Bolsonaro deve ser alvo de investigação. Tramitando há mais de dois anos, a investigação recebeu críticas por ter sido aberta por Moraes por meio de um ato de ofício, sob o argumento de que o Regimento Interno do tribunal permite a exceção para investigar crimes contra o próprio STF. Com autorização do ministro, já foram cumpridos mandados de busca e apreensão contra congressistas, apoiadores do presidente no setor privado e influenciadores bolsonaristas.

Jair Bolsonaro já é investigado em outros dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal, um por supostamente ter tentando interferir na Polícia Federal — acusação feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro — e outro por supostamente ter prevaricado no caso da vacina Covaxin, revelado pela CPI da Pandemia. Ambos, no entanto, são menos robustos que o inquérito das fake news, que tramita em sigilo. Em decisão tomada no início de julho, Alexandre de Moraes escreveu que “há fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e politico” com o objetivo de disseminar desinformação.

A investigação de Bolsonaro relacionada ao inquérito é mais um ponto de atrito relevante entre o Judiciário e o chefe do Executivo. Egresso do Ministério Público de São Paulo, ex-secretário de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (2015–18) e ex-ministro da Justiça do governo Michel Temer (2016–18), Alexandre de Moraes carrega a fama de aguçado investigador, demonstrada por exemplo no caso que envolveu o hackeamento do celular da ex-primeira-dama Marcela Temer.

2) As rachadinhas e Flávio Bolsonaro

Em julho, a ação que questiona o foro adequado para o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) responder às acusações de que havia um esquema de desvio de recursos públicos em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) completou um ano de tramitação na 2ª Turma do Supremo. Desde o início da discussão sobre o foro adequado, a investigação sobre os supostos crimes permanece estacionada. Também em julho, o UOL revelou gravações inéditas de ex-funcionários dos gabinetes de Flávio e Jair Bolsonaro corroborando as acusações.

O relator no Supremo, ministro Gilmar Mendes, liberou o processo para julgamento no fim de maio. A discussão é se o caso poderia ter tramitado na primeira instância ou se deveria ter sido julgado pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), devido ao foro por prerrogativa de função que caberia a deputados estaduais fluminenses. O Ministério Público argumenta que o Supremo restringiu o foro apenas a fatos ocorridos durante o mandato atual — o que, portanto, não seria o caso de eventuais crimes cometidos por Flávio Bolsonaro como deputado estadual.

O caso é relatado por Gilmar e foi liberado pelo ministro para julgamento em 28 de maio. O recurso, no entanto, está parado após o próprio magistrado ter dado uma decisão liminar suspendendo a tramitação até que o STF discutisse o assunto. Nesta semana, a ministra Cármen Lúcia confirmou o pedido para migrar à 1ª Turma, abrindo espaço para que o novo indicado por Bolsonaro — André Mendonça — herde a vaga na 2ª Turma e opine no caso. Além de Gilmar e da vaga deixada por Cármen Lúcia, a 2ª Turma é composta também pelos ministros Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin.

Antes do recesso do Judiciário, o colegiado elegeu como presidente o ministro Nunes Marques, seguindo o sistema de rodízio definido pelas regras do tribunal. Questionado pelo jornal O Globo durante o recesso, o magistrado afirmou que analisaria a pauta apenas em agosto.

3) Inelegibilidade de Bolsonaro no TSE?

Ainda que uma eventual inelegibilidade de Bolsonaro seja neste momento apenas uma possibilidade muito remota, a abertura do inquérito no TSE pode, em última análise, acarretar esta pena. O inquérito irá investigar crimes de corrupção, fraude, condutas vedadas, propaganda extemporânea, abuso de poder político e econômico por parte do presidente. “A ameaça à realização de eleições é uma conduta antidemocrática”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, do STF e do TSE, durante seu voto.

Na terça-feira (3/8), Bolsonaro respondeu às falas dos magistrados: “Não serão admitidas eleições duvidosas ano que vem. O Brasil vai ter eleição ano que vem. Eleições limpas, democráticas”, disse. “Não aceitarei intimidações. Vou continuar exercendo meu direito de cidadão, de liberdade de expressão, de criticar, de ouvir e atender acima de tudo a vontade popular.”

A chapa eleita em 2018, de Jair Bolsonaro (PSL) e Hamilton Mourão (PRTB), já é investigada há anos em quatro ações no TSE, por suposta irregularidade na contratação de envios de mensagens em massa ilegais durante a campanha. Durante esse período, no entanto, os processos praticamente não saíram da estaca zero. A abertura de um inquérito administrativo, como uma reação dos ataques de Bolsonaro e que investiga outros supostos crimes, indica que a celeridade desta vez pode ser diferente.

A velocidade de tramitação está sujeita, mesmo que de forma subjetiva, à avaliação do cenário político por parte dos ministros do TSE. Um exemplo ocorreu em 2017, quando o tribunal julgou ação proposta pelo PSDB para cassar a chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB), eleita em 2014. Com a ex-presidente já deposta pelo impeachment, concluído no ano anterior, a maioria do tribunal rejeitou o relatório do ministro Herman Benjamin, que considerou verdadeiras as acusações de abuso de poder econômico e votou a favor da cassação. Caso a posição tivesse sido vencedora, o então presidente da República, Michel Temer, teria que deixar o cargo — o que geraria ainda mais incertezas a pouco mais de um ano da próxima eleição presidencial.

Uma ação eleitoral com potencial para tirar Bolsonaro da eleição em 2022, apesar de ser um cenário ainda considerado improvável a essa altura, não pode porém ser descartada como impossível. Principalmente porque essa opção tiraria da equação o procurador-geral da República, Augusto Aras, único com poderes para oferecer uma denúncia criminal contra o presidente da República — o que não é o caso de uma ação no TSE.

4) Augusto Aras em segundo mandato

Apesar de ter frequentado a lista de cotados para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal após a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, Aras foi preterido por Bolsonaro em detrimento do advogado-geral da União, André Mendonça, que cumpre o requisito de ser “terrivelmente evangélico” — promessa cumprida pelo presidente.

Com a escolha feita para o STF, o caminho foi aberto para que Bolsonaro mais uma vez ignorasse a lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), em que a categoria vota nos três nomes preferidos para assumir a PGR. Como não é obrigado por lei a escolher algum dos três nomes da lista, Bolsonaro reconduziu Aras ao cargo — ele é o único presidente da República que adotou essa postura desde que a lista foi criada. Temer, contrariado com Rodrigo Janot, recusou o nome dele e indicou a segunda colocada da lista.

No sábado (31/7), quatro subprocuradores-gerais da República divulgaram uma carta aberta a Aras cobrando ações contra as declarações de Bolsonaro contra o sistema eleitoral. Luiza Frischeisen, Nicolao Dino, Nivio de Freitas Silva Filho e José Adonis Callou de Sá afirmam no texto que “um Ministério Público desacreditado, instável e enfraquecido somente atende aos interesses daqueles que se posicionam à margem da lei”. Frischeisen foi a primeira colocada na lista da ANPR, e Dino, o terceiro colocado.

Ainda que não produza implicações práticas imediatas, a pressão dos pares sobre Aras é mais um elemento a influenciar o comportamento do procurador-geral. Até o momento, o único responsável — conforme a Constituição — por propor denúncias criminais contra o presidente da República tem sido acusado por críticos de agir alinhado aos interesses de Bolsonaro. E não deu indicações de que pretende mudar o comportamento. Mas, como está no segundo mandato, especula-se que Aras poderia adotar uma postura mais independente no cargo.

5) CPI da Pandemia e desdobramentos no STF

Ocorrendo no Senado com ampla maioria de opositores ao governo, a CPI da Pandemia voltou à ativa nesta semana aprovando dezenas de requerimentos que pretendem avançar em todas as linhas de investigação. Durante a primeira temporada da comissão, antes do recesso branco, ministros do Supremo Tribunal Federal tomaram decisões que influenciaram os trabalhos dos senadores, principalmente na concessão de habeas corpus que permitiram a testemunhas que ficassem caladas. A tese já era pacífica no tribunal há anos.

Apesar de até o momento as decisões do Judiciário não terem impactado a CPI de maneira muito relevante, o papel de árbitro da relação entre os outros Poderes se mantém. Com os humores dos ministros do Supremo contaminados pelas dezenas de declarações chulas de Bolsonaro, é possível que o governo tenha derrotas caso busque contestar no Judiciário passos ou conclusões da CPI.

Se a CPI concluir que Bolsonaro deve ser responsabilizado por algum crime comum, a documentação será encaminhada para o PGR, Augusto Aras, a quem caberá decidir se há elementos para uma denúncia ou não.