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Após falha técnica, STF suspende julgamento sobre acordo individual da MP 936

Julgamento continua na sexta. Relator votou pela obrigatoriedade da comunicação ao sindicato

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Sessão plenária do STF realizada por videoconferência. Crédito: Fellipe Sampaio /SCO/STF

Uma falha técnica impediu o Supremo Tribunal Federal (STF) de concluir, nesta quinta-feira (16/4), a sessão de julgamento sobre a validade de acordos individuais para redução de jornada e salário e a suspensão temporária de contratos de trabalho. A possibilidade da negociação individual está prevista na Medida Provisória 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. O julgamento, realizado por videoconferência, continuará nesta sexta-feira (16/4), em sessão plenária extraordinária.

O plenário começou a julgar a liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363, ajuizada pela Rede Sustentabilidade. Na ação, o partido alegou que a MP 936/2020 é inconstitucional quanto à possibilidade de redução de jornada e salários por meio de acordos individuais, já que a Constituição garante a irredutibilidade salarial, exceto se um acordo ou convenção coletiva permitir a redução. Por isso, pede a suspensão de dispositivos que autorizam o acordo individual.

O julgamento teve início com as sustentações orais do autor, da Advocacia-Geral da União e dos amici curiae. O único a proferir seu voto foi o ministro Ricardo Lewandowski, relator da ação. O ministro reiterou sua liminar proferida no dia 6 de abril, na qual estabelece que os acordos individuais firmados entre empregador e funcionário são válidos de imediato. Estes acordos, entretanto, devem ser informados pelas empresas, em até 10 dias, aos respectivos sindicatos laborais, que podem decidir iniciar uma negociação coletiva. Se mais benéfico, o acordo coletivo prevalecerá sobre o individual.

Depois do voto de Lewandowski, que enfrentou problemas técnicos ao final de seu voto, a sessão foi suspensa para um intervalo de 20 minutos. A paralisação acabou se estendendo por quase duas horas. No retorno, por volta das 18h40, o presidente Dias Toffoli informou sobre o problema técnico, que até então não havia sido resolvido, e convocou a sessão extraordinária para esta sexta-feira (16/4). De acordo com o STF, a falha ocorreu na plataforma Webex, da Cisco, que é utilizada para realização das videoconferências no tribunal. O próximo a votar será o ministro Alexandre de Moraes. 

A possibilidade de redução de jornada e de salário e a suspensão temporária de contratos estão previstas na Medida Provisória 936/2020, publicada no dia 1º de abril pelo presidente Jair Bolsonaro. O texto da MP prevê a possibilidade de negociação individual para quem ganha até R$ 3.135,00, ou para quem ganha mais de R$ 12.102,00. Para os trabalhadores cujos salários estiverem entre esses valores, o acordo coletivo é obrigatório.

No dia 6 de abril, o ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADI, concedeu parcialmente a liminar para fixar que os acordos individuais devem ser informados, em até 10 dias, aos sindicatos laborais para que estes, se desejarem, deflagrem negociações coletivas. A não manifestação dos sindicatos significa anuência ao acordo. Caso sejam feitas negociações coletivas, nos pontos em que os acordos coletivos forem mais benéficos que os individuais, os coletivos prevalecerão.

No dia 13 de abril, Lewandowski rejeitou embargos de declaração da Advocacia-Geral da União (AGU), e explicitou que os acordos individuais valem de imediato. Ressalvou, porém, a possibilidade de adesão por parte do empregado, à convenção ou acordo coletivo posteriormente firmados, “os quais prevalecerão sobre os acordos individuais, naquilo que com eles conflitarem, observando-se o princípio da norma mais favorável”. Esta segunda decisão foi vista como positiva pelo Governo Federal.

No julgamento desta quinta-feira (16/4), Lewandowski disse que sua decisão – tanto a primeira liminar, quanto a decisão sobre os embargos – não impediu a realização de nenhum acordo. “No dia seguinte à minha liminar em que se criticava que nenhum acordo seria feito, logo se viu a colaboração entre sindicatos patronais e trabalhadores para chegarem a acordos”, disse. Lewandowski lembrou que o secretário especial de Previdência e Trabalho Bruno Bianco elogiou sua decisão. “Disse este representante do governo que a decisão foi excelente, disse que ‘o pronunciamento do ministro Lewandowski dá segurança jurídica a empregados e empregadores’”, falou.

“Exatamente para mostrar que a minha decisão procurou harmonizar a intenção do governo, que temos que reconhecer que foi uma intenção benfazeja diante dessa terrível crise econômica e que nos assola em razão da pandemia, com as cláusulas pétreas da Constituição que abrigam direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, que não podem ser deixadas de lado num momento de crise”, argumentou o ministro. “É no momento de crise que se deve respeitar o que consta da Constituição, porque ela é a única tábua de salvação que nos permitirá atravessar esses momentos difíceis pelos quais passa o país”. 

Lewandowski destacou, porém, que era necessário conferir interpretação conforme a Constituição de alguns dispositivos da MP 936 para tornar efetiva a comunicação dos acordos individuais aos sindicatos. Isso porque a Medida Provisória, em seu artigo 11, parágrafo 4º, já prevê que os acordos, tanto de redução de jornada e salário, quanto de suspensão contratual, devem ser comunicados ao sindicato. Porém, a medida não prevê que o sindicato possa tomar nenhuma medida ou se manifestar – e isso, para Lewandowski, tornava a comunicação inócua.

Lewandowski disse que “não há margens para qualquer tergiversação na interpretação” de dispositivos constitucionais que tratam da irredutibilidade do salário, exceto se negociado em acordo coletivo. “Do confronto, ainda que sumário, dos preceitos constitucionais com os dispositivos da MP 936/2020, desperta forte suspeita de que estes, conforme alega o autor da ação, afronta direitos e garantias dos trabalhadores que integram cláusulas pétrea. O afastamento dos sindicatos de negociações entre empregados e empregadores, com o potencial de causar sensíveis prejuízos a estes últimos, contraria a própria lógica subjacente do Direito do Trabalho, que parte da premissa de desigualdade estrutural entre os dois pólos da relação laboral”, argumentou.

O ministro ainda citou as manifestações da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), que apontaram a inconstitucionalidade da Medida Provisória 936 por possibilitar negociações sem a presença dos sindicatos.

“As críticas destas conhecidas associações que congregam membros de importantes categorias funcionais, juízes e procuradores do trabalho, não podem deixar de ser levadas em consideração”, destacou. “As incertezas do momento vivido não podem permitir a adoção acrítica de quaisquer medidas que prometam a manutenção de empregos, ainda que bem intencionadas, sobretudo acaso vulneram – como parecem vulnerar – o ordenamento constitucional e legal do país. Nossa missão fundamental é confrontar a legislação que nos é colocada a exame, a escrutínio, justamente a luz dos princípios e regras que se encontram abrigados na Constituição”.

Ao fim, deu uma interpretação conforme a Constituição ao parágrafo 4º do artigo 11 da Medida Provisória 936, de maneira a assentar que “os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva”.

Nesse ínterim, ressalta Lewandowski, “são válidos e legítimos os acordos individuais celebrados na forma da MP 936/2020, os quais produzem efeitos imediatos, valendo não só no prazo de 10 dias previsto para a comunicação ao sindicato, como também nos prazos estabelecidos no Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho, agora reduzidos pela metade pelo art. 17, III, daquele ato presidencial”. Fica ressalvada, contudo, “a possibilidade de adesão, por parte do empregado, à convenção ou acordo coletivo posteriormente firmados, os quais prevalecerão sobre os acordos individuais, naquilo que com eles conflitarem, observando-se o princípio da norma mais favorável. Na inércia do sindicato, subsistirão integralmente os acordos individuais tal como pactuados originalmente pelas partes”.

Sustentações orais

Pelo autor Rede Sustentabilidade, falou o advogado Mauro Menezes. Em sua sustentação, ele disse que a MP 936 estabelece um “antagonismo inconveniente” com a Constituição, e destacou a necessidade de preservar dispositivos constitucionais em momentos de crise. “Mesmo numa situação tida como de calamidade pública, é preciso exercitar a prudência porque decisões que são aqui tomadas sob a influência de uma situação tida como excepcional deitarão raízes e levarão consequências mais adiante ao nosso sistema jurídico”, disse. 

Menezes ainda refutou o argumento de que a medida cautelar proferida por Lewandowski teria abalado a segurança jurídica por negar uma plena efetividade aos acordos individuais trabalhistas. “O que a medida cautelar fez foi justamente estabelecer ajustes à luz do texto da Constituição, procedendo a uma interpretação conforme, capaz, portanto, de compatibilizar o texto da MP com direitos fundamentais que constituem cláusulas pétreas da nossa Constituição Federal”, falou. “A segurança jurídica está sendo preservada justamente porque os acordos individuais trabalhistas são vistos pela doutrina e pelo nosso direito constitucional com absoluta desconfiança. O nosso direito constitucional já estabeleceu regras segundo as quais as situações de crise devam ser enfrentadas. Essas regras estabelecem claramente que repousa sob a responsabilidade das entidades sindicais a negociação desses acordos e convenções coletivas, justamente para gerir situações excepcionais e permitir, numa situação extrema, e eventual redução de salários”. 

Do outro lado, o Advogado-Geral da União André Mendonça disse que o objetivo da Medida Provisória 936/2020 é garantir empregos. “Permitam-me relembrar o título da medida provisória: é um Programa Emergencial de Emprego e Renda. Ele visa essencialmente garantir, emergencialmente, o emprego e a renda do trabalhador. Ele não é um programa que visa, na sua essência, retirar os direitos do trabalhador. É o contrário, preservar os direitos do trabalhador. Porque se está diante de uma crise de magnitude tal que os reflexos na economia podem impor o fechamento de milhares de pequenas, médias e grandes empresas do nosso país. E, por consequência, a perda do emprego de milhões e milhões de trabalhadores”, falou o AGU.

Mendonça elogiou a decisão de Lewandowski na qual rejeitou os embargos da AGU, mas explicitou que os acordos individuais têm validade imediata. Disse que, até o início da tarde desta quinta-feira (16/4), foram firmados mais de 2,4 milhões de acordos de redução de jornada e salário ou suspensão temporária de contrato de trabalho. “Esses números são para que nós tenhamos noção da pacificação social, que essa medida, à luz dos parâmetros traçados pelo ministro Ricardo Lewandowski trazem equilíbrio, paz social, preservação de uma renda mínima, e compromisso de todos esses atores, empregados e empregadores, de que tenham esperança na breve passagem por este momento e de que também nós tenhamos no futuro próximo um retorno a normalidade, ou a maior normalidade possível”, disse.

A ação contou com a manifestação de diversos amici curiae. O primeiro a falar foi advogado José Eymard Loguercio, representando a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras cinco centrais sindicais. Durante a sustentação, disse que “a pandemia não coloca a Constituição de 1988 em suspenso ou em quarentena”. A solução prática, segundo ele, há de ser dentro de seu marco. “Ou nós estamos rumando para um caminho de extinção, para nos conduzir para uma normatividade de exceção justificada por uma pandemia – e isso seria romper inclusive com a premissa de que os direitos civis e políticos estão no mesmo patamar dos direitos econômicos e sociais e exigem a mesma hermenêutica – ou nós podemos estabelecer as unidades protetivas dentro dos marcos da Constituição”, afirmou. 

Representando a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), o advogado Pedro Gordilho destacou que a Constituição não permite acordo individual. “A Constituição Federal prevê a irredutibilidade do salário salvo disposto em convenção e acordo coletivo. Então a previsão, ainda que provisória, em acordos individuais, ela viola a autonomia negocial coletiva. Mais do que isso: implica em verdadeira ofensa ao princípio que veda o retrocesso social”, disse. Tanto a Anamatra quanto as centrais sindicais pediram a manutenção da liminar de Lewandowski. 

Pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), se manifestou a advogada Fernanda de Menezes Barbosa, que disse que, na atual crise decorrente da pandemia da Covid-19, “as relações de trabalho precisam de medidas especiais, sob o perigo de haver uma onda de desemprego” no país. “O direito não pode negar uma realidade. A MP 936 tem tempo determinado. O cenário foi impositivo para manter postos de trabalho. Novas leituras do texto constitucional são possíveis em tempos de crise. Se o sindicato ficar inerte se mantém o acordo.  Mas se não há acordo, como fica? A recusa vazia do sindicato não pode ser considerada ato jurídico”, disse. A CNI pediu a revogação da liminar de Lewandowski. 

Do mesmo modo, a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), representada pelo advogado Rafael Freitas, pediu a revogação da liminar. Em sua visão, “o momento é único, e merece interpretação única, pois o contexto nunca existiu”.  “A MP 936 não violou a Constituição em momento algum. Ela faz uma maximização dos direitos fundamentais da livre iniciativa também. Em momento algum fez com que se dispensasse o acordo coletivo, mas fez um mecanismo de compensação de duração que não deverá ser mais longa do que três meses. Precisamos achar ponderação entre a livre iniciativa e o contexto social. Não se trata de prevalecer o interesse do empregador ou o do empregado. Condicionar a presença do sindicato neste momento de grande vulnerabilidade seria desproposital”, disse. 

O procurador-geral da República Augusto Aras não se manifestou.

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