O ministro André Mendonça interrompeu, nesta quarta-feira (6/4), o julgamento de duas ações relacionadas à chamada Pauta Verde, em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) desde o dia 30 de março.
O ministro pediu vista logo após o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, que se manifestou no sentido de que existe um estado de coisas inconstitucional quanto ao desmatamento na Amazônia, ou seja, um quadro de violação sistemática ao meio ambiente a partir de omissões do governo federal, do enfraquecimento das normas de proteção ambiental e das políticas públicas e do esvaziamento de programas de proteção como o Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
Ainda em seu voto, a ministra deu 60 dias para a União e órgãos como a Funai, Ibama e ICMBio apresentarem um plano de ação satisfatório de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia. Segundo a relatora, o programa deve demonstrar as efetivas providências de fiscalização, combate de crimes e controle e ação de resguardo dos direitos dos indígenas e outros povos. Deve conter ainda cronogramas, metas e indicadores esperados. A ministra ainda determinou a redução da taxa de desmatamento na Amazônia.
As duas ações suspensas pela vista de Mendonça fazem parte da chamada “Pauta Verde”, um conjunto de processos ajuizados por partidos políticos que questionam o esvaziamento das políticas ambientais pelo governo federal. Estavam em julgamento, em um primeiro momento, a ADPF 760 e a ADO 54, que debatem a omissão do governo federal no combate ao desmatamento da Amazônia e o enfraquecimento do Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Leia a íntegra do voto de Cármen Lúcia na ADPF 760.
Após a vista, no fim da sessão, o presidente do STF, Luiz Fux, comunicou que a Corte continuará com o julgamento de outras quatro ações do Pacote Verde nesta quinta-feira (7/4): a que questiona o decreto federal que passou a coordenação da Operação Verde Brasil 2 para o Ministério da Defesa; outra que retirou a participação da sociedade civil do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente; uma resolução sobre padrões de poluição do ar e a concessão automática de licença ambiental para atividades classificadas como “risco médio” ao meio ambiente. André Mendonça já adiantou que não pretende pedir vista das demais ações. São elas: ADPF 735, ADPF 651, ADI 6.148 e ADI 6.808.
Para justificar o pedido de vista, o ministro André Mendonça disse que foi sorteado como relator de duas ações sobre o tema ambiental, a ADPF 743 e a ADPF 746, que tratam sobre o estado de coisas inconstitucional em relação aos biomas Amazônia e Pantanal. Por isso, ele prefere se aprofundar melhor sobre o tema.
André Mendonça argumentou ainda que precisa aprofundar a questão em três pontos específicos: a regularização fundiária em áreas de proteção ambiental, a criminalidade transnacional e o crime organizado de compra e venda de produtos provenientes de regiões de proteção. “Para onde as madeiras ilegais estão indo? Temos informações que madeiras de lei da região amazônica são vendidas na Europa a preço de compensado”, afirmou.
Mendonça disse que é preciso aprofundar essa questão transacional porque muitos países que cobram ação do Brasil, são os que compram as madeiras de desmatamento. Neste ponto, o ministro Alexandre de Moraes chegou a dizer que é preciso separar os países dos particulares. “Tem particular criminoso no mundo todo”.
Com o pedido de vista, o governo de Jair Bolsonaro ganha tempo para tentar executar parte do que a Advocacia-Geral da União (AGU) disse que o governo pretende fazer em política para a Amazônia, como, por exemplo, contratação de mais servidores para o Ibama.
A questão ambiental é uma das principais críticas ao governo federal e entrou na pauta do Supremo após uma intensa mobilização feita por artistas, ex-ministros do Meio Ambiente e organizações não-governamentais. As ações não constavam na pauta prévia de 2022 divulgada pela Presidência do Supremo.
Voto da relatora Cármen Lúcia
Antes de iniciar a leitura do voto, a ministra Cármen Lúcia apresentou um vídeo com imagens da Amazônia e dados sobre a degradação ambiental no Brasil. Segundo ela, o vídeo teve a supervisão do cineasta Fernando Meirelles e revisão dos dados feita pela ex-ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira.
Durante a leitura do voto, a ministra Cármen Lúcia destacou que existe um “engodo administrativo” e “estado teatral em matéria ambiental”. Ela ainda destacou a queda nas fiscalizações feitas pelo Ibama desde 2019 e refutou o argumento da AGU de que a queda se deu por causa da pandemia da Covid-19. De acordo com a ministra, a atividade de fiscalização estava na lista das atividades essenciais e que não foram suspensas. Além disso, a redução começou a ocorrer antes da pandemia.
A ministra citou o enfraquecimento normativo federal em relação ao meio ambiente, para ela, foram editados atos normativos que se destinam a inviabilizar as políticas ambientais. Além disso, ela questionou os valores trazidos pelo AGU, Bruno Bianco, sobre o orçamento para verbas federais. “Verbo não é verba. Lorota, trololó, de dizer que vai ter lá previsto [o orçamento], que está previsto, mas não acontecer [a execução da verba]. A verba é que garante a execução de políticas públicas. Não adianta ter previsão que não é para ser executada”, afirmou.
Cármen também criticou a falta de transparência aos dados das políticas públicas ambientais, ela trouxe dados das ações que diziam que dos 226 pedidos via Lei de Acesso à Informação, apenas 35 foram respondidos de forma satisfatória, 99 incompletas e as demais, negadas. “O que vulnerabiliza o princípio da publicidade”, afirmou.