
Ao deferir as medidas de busca e apreensão contra o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes contrariou a opinião da Procuradoria-Geral da República (PGR), em parecer assinado por Lindôra Maria Araujo, e deferiu o pedido feito pela Polícia Federal que culminou na apreensão do celular do ex-chefe do Executivo e na prisão do ex-ajudante de ordens Mauro Cid — que na visão da PGR teria capitaeneado a falsificação dos dados de vacinação do ex-presidente e de sua filha, Laura Bolsonaro, sem conhecimento e anuência de Bolsonaro. A decisão, de 77 páginas, foi tomada na PET 10.405.
Para a vice-procuradora-geral da República “os elementos de informação incorporados aos autos não servem como indícios minimamente consistentes para vincular o ex-Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO e a sua esposa, MICHELLE DE PAULA FIRMO REINALDO BOLSONARO, aos supostos fatos ilícitos descritos na representação da Polícia Federal, quer como coautores quer como partícipes”. Leia a íntegra da manifestação da PGR.
Moraes, contudo, considerou que não se demonstra crível a afirmação da Procuradoria-Geral da República de que “MAURO CESAR BARBOSA CID teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência do ex-Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO”, mesmo tendo reconhecido a existência de comprovação da materialidade da inserção de dados falsos de JAIR MESSIAS BOLSONARO e sua filha L. F. B. no sistema do Ministério da Saúde (ConecteSus). Leia a íntegra da decisão de Alexandre de Moraes que determinou busca e apreensão contra Bolsonaro e a prisão de Mauro Cid.
Para Moraes, não há qualquer indicação nos autos que “conceda credibilidade à versão de que o ajudante de ordens do ex-Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO pudesse ter comandado relevante operação criminosa, destinada diretamente ao então mandatário e sua filha L. F. B., sem, no mínimo, conhecimento e aquiescência daquele, circunstância que somente poderá ser apurada mediante a realização da medida de busca e apreensão requerida pela autoridade policial”.
Por causa das informações falsas, eles puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes imposta pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação da Covid-19.
Para o ministro, “é plausível, lógica e robusta a linha investigativa sobre a possibilidade de o ex-Presidente da República, de maneira velada e mediante inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, buscar para si e para terceiros eventuais vantagens advindas da efetiva imunização, especialmente considerado o fato de não ter conseguido a reeleição nas Eleições Gerais de 2022”.
Por isso, Moraes considerou, ao citar o ministro aposentado Celso de Mello, que seria “imprescindível, portanto, a realização de diligências, inclusive com o eventual afastamento excepcional de garantias individuais que não podem ser utilizadas como um verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”.
A PGR também havia se manifestado de forma contrária à busca e apreensão na casa do deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), mas Moraes também considerou que havia elementos para tanto.
O ministro negou, contudo, o pedido da Polícia Federal para realizar busca e apreensão contra a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro. Ele considerou que “embora seja citada nominalmente, não há descrição de conduta específica” de Michelle, de forma que não se verifica, em relação a ela, as mesmas condições intersubjetivas presentes entre os demais agentes.
Nesta manhã, forma cumpridos 16 mandados de busca e apreensão e seis mandados de prisão preventiva, em Brasília e no Rio de Janeiro, além de análise do material apreendido durante as buscas e realização de oitivas de pessoas que detenham informações a respeito dos fatos.
Os fatos investigados configuram em tese os crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.
Bolsonaro não esteve na cidade em que teria se vacinado na primeira dose
Representação da Polícia Federal apontou que a Controladoria Geral da União (CGU) relatou a possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde, especificamente dados sobre vacinação contra a Covid-19 em nome do ex-Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.
Na sequência, dados encaminhados pelo Ministério da Saúde, após solicitação da CGU, revelaram que no Sistema da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) consta o registro de que o ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro teria recebido uma dose da vacina contra a Covid-19, em 13 de agosto de 2022, no município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A segunda dose teria sido aplicada no mesmo posto de saúde, no dia 14 de outubro. “Assim, foram verificados os indícios de utilização do mesmo modus operandi de inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, tendo como local da conduta o Município de Duque de Caixas/RJ”, diz a decisão de Moraes.
No entanto, a Polícia Federal destaca que o ex-presidente Bolsonaro não esteve no município de Duque de Caxias na data em que teria tomado a 1ª dose da vacina da fabricante, permanecendo na cidade do Rio de Janeiro até seu retorno para Brasília às 21h25min.
Em relação à 2ª dose, a CGU relatou que, apesar de ter comparecido a uma caminhada na cidade de Duque de Caxias, às 11h da manhã, não há nenhum indicativo de que o ex-presidente compareceu à unidade de saúde do município para se vacinar, fato que se tivesse ocorrido seria amplamente noticiado, considerando sua notoriedade.
Da mesma forma, também não há elementos que indiquem que a filha de Bolsonaro o acompanhou ao posto de saúde em que teria sido vacinada.
Mauro Cid: fio condutor das investigações até Bolsonaro
Segundo informações trazidas na decisão de Moraes e no relatório da própria Polícia Federal, a investigação sobre a possível falsificação das carteiras de vacinação começou a partir de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e chegou ao ex-presidente.
Após o afastamento do sigilo telemático de Mauro Cid, no inquérito 4.878 – que trata do vazamento de dados da Polícia Federal – a PF, ao concluir a investigação, encaminhou as mídias que continham o material obtido da quebra de sigilo telemático, e realizou um relatório a partir do material. Assim, foi instaurada a PET 10.405, que passou a investigar a fraude nos cartões de vacinação, no âmbito do STF.
A partir do material, verificou-se que Mauro Cid solicitou apoio do então integrante da Ajudância de Ordens da Presidência da República, sargento Luis Marcos dos Reis, para obter um cartão de vacinação preenchido com doses da vacina contra a Covid-19 em nome de sua esposa, Gabriela Santiago Cid.
Os dados analisados pela autoridade policial apontam que Reis, com auxílio de seu sobrinho, o médico Farley Vinicius Alcântara, obteve um cartão de vacinação da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, preenchido com duas doses da vacina contra a Covid-19, em nome da esposa de Mauro Cid. Os dados da vacina – data, lote, fabricante, aplicador – , de acordo com as mensagens de WhatsApp identificadas, foram retirados pelo médico de um cartão de vacinação de uma enfermeira que teria sido vacinada na cidade de Cabeceiras, em Goiás.
Entre os documentos encontrados pela PF a partir da quebra de sigilo telemático estava um arquivo que consistia na digitalização de um “CARTÃO ARQUIVO DE VACINAÇÃO” do Sistema Único de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Governo de Goiás, em nome da esposa de Mauro Cid.
Na sequência, a Polícia Federal, após autorização judicial do STF, requisitou os dados de vacinação de Gabriela Cid e a relação das pessoas vacinadas na Unidade Básica de Saúde localizada na cidade de Cabeceira. Em resposta, o Ministério da Saúde informou que a esposa de Cid não possuía vacinas administradas na Unidade Básica de Saúde da cidade goiana.
A PF também informou que Mauro Cid foi inserir os dados de vacinação falsos em nome de sua esposa no sistema ConecteSUS do Ministério da Saúde, com a finalidade de obter o certificado de vacinação contra a Covid-19. Para isso, Mauro Cid solicitou auxílio ao Segundo-Sargento do Exército Eduardo Crespo Alves.
As mensagens de áudio demonstram que Eduardo Crespo Alves iniciou a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em favor de Gabriela Cid no sistema do Ministério da Saúde. No entanto, mensagens seguintes revelaram que Eduardo estava com dificuldades de inserir os dados de vacinação no sistema.
A Polícia Federal ressaltou que, diante da dificuldade reportada pelo militar Eduardo Crespo em conseguir inserir os dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde, Mauro Cid solicitou o auxílio do advogado e militar da reserva Ailton Gonçalves Moraes Barros.
A partir de prints de tela, troca de códigos de verificação e mensagens de Whatsapp, a Polícia assim acrescentou: “a análise constante no RAPJ 049/2022, identificou mensagens de WhatsApp enviadas por Ailton Barros para Mauro Cid, no dia 30/11/2021, em que fica evidenciada a consciência e vontade dos investigados em inserir os dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde”.
A Polícia Federal também informa que dados colhidos na quebra de sigilo telemático e decorrentes das informações encaminhadas pelo Ministério da Saúde e pela Secretária de Governo Digital indicam a participação de outras pessoas no esquema criminoso: o ex-vereador do Rio de Janeiro, Marcello Moraes Siciliano e Marcelo Fernandes de Holanda.
Após a constatação do esquema de Mauro Cid, a Controladoria Geral da União (CGU) encaminhou possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde, especificamente dados sobre vacinação contra a Covid-19 em nome do ex-presidente da República. Então foi iniciada a investigação sobre o certificado de vacinação de Bolsonaro e chegou-se à conclusão que o ex-presidente não esteve na cidade em que teria sido vacinado.
Após a data de inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, o usuário associado ao ex-presidente Jair Bolsonaro emitiu o certificado de vacinação contra a Covid-19, por meio do aplicativo ConecteSUS. Depois, o aplicativo foi acessado de um endereço eletrônico pertencente à Presidência da República, cadastrado no Palácio do Planalto e no dia 30 de dezembro de 2022 – data da partida de Bolsonaro para os Estados Unidos – foi utilizado pelo terminal telefônico cadastrado em nome de Mauro Cid.
De acordo com a PF, “não se evidenciou qualquer fato suspeito relacionado à utilização indevida do usuário do ex-Presidente da República, por terceiros não autorizados, para acessar o aplicativo ConecteSUS. Pelo contrário, os elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI até a geração dos certificados de vacinação contra a Covid-19, indicando que JAIR BOLSONARO, MAURO CESAR CID e, possivelmente, MARCELO COSTA CAMARA tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento”.
Acrescenta a autoridade policial: “Tais condutas, contextualizadas com os elementos informativos apresentados, indicam que as inserções falsas podem ter sido realizadas com o objetivo de gerar vantagem indevida para o ex-presidente da República JAIR BOLSONARO relacionada a fatos e situações que necessitem de comprovante de vacinação contra a Covid-19. Conforme exposto, a própria alteração cadastral de e-mail da conta “GOV.BR” de JAIR BOLSONARO foi realizada no contexto das inserções falsas e gerações de certificados ideologicamente falsos”.