
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade nesta terça-feira (5/4) não extraditar o refugiado turco Yakup Sagar, de 54 anos. O empresário pertence ao Hizmet, organização muçulmana de um ex-aliado do presidente Recep Tayyip Erdogan e que passou a ser considerada terrorista pela Turquia.
Sagar chegou ao Brasil com sua esposa e sua filha em 2016 e possui uma confecção de roupas no bairro do Brás, em São Paulo. O advogado de defesa, Beto Vasconcelos, além da Defensoria Pública e da organização de direitos humanos Conectas, argumentaram que o caso era de perseguição política. Extraditar Sagar significaria, nas palavras de Vasconcelos, submetê-lo a um tribunal de exceção.
O relator Alexandre de Moraes entendeu desta mesma forma e votou para indeferir o pedido (EXT 1.693) do Governo da Turquia. Ele foi seguido por todos os outros colegas da 1ª Turma: Luís Roberto Barroso, Antonio Dias Toffoli, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
Apesar de não caber ao STF entrar no mérito das acusações contra Sagar, Moraes apontou que há uma “deficiência” nos fatos narrados que vinculam Sagar ao terrorismo praticado no país. O governo turco acusa o refugiado desde 2005 de pertencer a uma organização criminosa armada, de “tentativa de destruir o Estado da República da Turquia ou de impedir o Estado da República da Turquia de funcionar”, além de “fraude qualificada pelo abuso de convicções religiosas” e de “ato contra a Lei de Prevenção e Financiamento ao Terrorismo”.
Ver essa foto no Instagram
Mas, de acordo com Moraes, o governo turco não descreveu nenhum ato que incrimine Sagar e teria se limitado a considerá-lo terrorista apenas por ser membro do Hizmet – organização que, conforme frisou o ministro relator, não é considerada terrorista pelos Estados Unidos, pela Europa, pela ONU nem pelo Brasil. Com isso, ele não enxerga dupla tipicidade, prevista em lei para que uma pessoa possa ser extraditada.
Moraes também apontou para a guinada autoritária do regime turco – Erdogan está no poder desde 2003 – e frisou que o Poder Judiciário do país vem sofrendo “ataques em sua autonomia e independência”. Para Moraes, é a “imparcialidade do Poder Judiciário” que garante “a segurança contra o arbítrio estatal, e a segurança do extraditando contra eventual julgamento político”.
O ministro considera ter “certeza” de que não há possibilidade de um julgamento isento caso Sagar fosse extraditado. “O governo turco prendeu 2.745 juízes e promotores. Ora, a prisão de 2.745 juízes e promotores já é um fato absurdo, só que o reflexo aos demais que não foram presos, a coação psicológica feita aos demais, é gigantesca”, ponderou Moraes.
Além disso, Sagar foi reconhecido como refugiado pelo Brasil neste ano. O status por si só não impede uma eventual deportação, a não ser, segundo a Lei 13.445/2017, sobre migração, quando o pedido de extradição esteja diretamente relacionado aos fatos que levaram à solicitação de refúgio. “São os mesmos fatos apontados”, frisou Moraes.
O ministro Barroso também destacou o status de refugiado de Sagar. “Só se prossegue [com a extradição] se o refúgio for inválido por alguma razão”.
Segunda recusa de extradição para a Turquia
Em 2019, também por unanimidade, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal havia negado a extradição do empresário turco Ali Sipahi – naturalizado brasileiro em 2016, residente em São Paulo desde 2007 – também procurado e acusado pelo Governo da Turquia de integrar o movimento Hizmet.
O voto-condutor foi o do ministro-relator Edson Fachin, que considerou haver “fundados motivos para negar a extradição”, basicamente porque – além de “falta de configuração de crime político” – há “no mínimo, uma justificada dúvida de que o extraditando venha a ser submetido a um tribunal independente”. O ministro citou que pode ser considerado fato notório a instabilidade política e até mesmo demissões de juízes bem como prisões de opositores do governo.
Nesta linha, Edson Fachin citou relatório do Parlamento Europeu (2018) sobre a situação dos poderes judiciário e legislativo na Turquia, além de decisão da Corte Suprema da Inglaterra, que rejeitou pedido de extradição de supostos terroristas turcos, por “não se poder ter certeza de julgamento com garantias constitucionais num quadro de instabilidade como o existente atualmente na Turquia”.
O caso tramitou como EXT 1.578.