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Justiça social e progressividade da tributação

O sistema tributário vigente, além de não mitigar as diferenças sociais, incrementa-as

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Imagem: Pixabay

O artigo 3º da Constituição da República estabelece como escopo do Estado brasileiro a concretização do desenvolvimento econômico, a justiça e a mitigação da desigualdade social. A tributação tem papel proeminente na promoção da justiça, uma vez que é o mecanismo utilizado para financiar os gastos públicos e redistribuir riquezas. Para ser justo, o tributo deve cumprir a função social de promover o bem-estar da população.

Para que não haja distorção na tributação e na função social do tributo, há, na Constituição brasileira, um catálogo de direitos e garantias dos contribuintes, veiculador de princípios e imunidades tributárias, entre eles os princípios da isonomia, da capacidade contributiva e o da estrita legalidade tributária, que asseguram que a tributação não seja um mecanismo incrementador da desigualdade social.

O Brasil, no entanto, apresenta várias deficiências em seu sistema tributário, as quais fazem deste singular em termos de iniquidade. Um Estado Fiscal, além de financiar os gastos públicos, deve propiciar a redistribuição de riquezas por meio da tributação, a qual pode ser um eficiente instrumento de realização da justiça social a partir da fiscal.

A análise da função social do tributo tem como ponto de partida a matriz fiscal. Segundo Gassen, Araújo e Paulino (2013), a matriz tributária é, em determinado momento histórico, o resultado de escolhas no campo da ação social, e no que tange ao fenômeno da tributação, envolvendo quando, a quem e de que forma se dará a tributação.

Portanto, é com a política fiscal que se define em que medida se dará a tributação e quem será por ela alcançado. No Brasil, embora haja programas sociais de transferência de renda, na prestação de serviços públicos de educação, saúde e previdência, não se verifica a redistribuição de renda por meio da tributação, como ocorre em vários Estados democráticos, ou seja, não há transferência de recursos dos mais favorecidos economicamente para a população que vive em estado de pobreza e de miserabilidade.

Em um Estado Democrático e Social de Direito, deve haver uma relação de cooperação entre Estado e contribuinte. Enquanto este garante àquele a contribuição para o pleno desenvolvimento das atividades estatais, aquele garante a este os serviços e uma vida com dignidade, sobretudo com a adoção de políticas públicas financiadas pelos tributos.

A fim de garantir o bem-estar da sociedade, o Estado intervém na economia de maneira direta e indireta. Enquanto na intervenção direta o Estado atua sobre a política de gastos e investimentos, na intervenção indireta, atua na alteração de preços relativos (POCHMANN, 2008).

Os tributos possuem influência direta em uma análise macroeconômica, a qual conjuga políticas monetária, cambial e fiscal. Ora, se um Estado, tal qual é o brasileiro, possui o escopo de intervir na ordem econômica e social, a fim de garantir o equilíbrio e a igualdade, também deve ter meios para financiar suas políticas públicas, promovidas com o fim de alcançar o bem-estar da população.

Em outras palavras, a tributação deve visar a um fim social que seja benéfico aos contribuintes. Para tanto, busca-se no texto constitucional o modelo social que a população de cada nação almeja, e o limite que o Estado deve observar quando da criação de regras que alcancem a riqueza dos particulares.

A macroeconomia moderna foi objeto dos estudos de Keynes, o qual demonstrou que apenas a intervenção estatal, com políticas de gastos públicos, poderia recrudescer uma economia em depressão, tal como o que ocorreu entre os anos de 1929 e 1933. Segundo Keynes, a diminuição das desigualdades no período Pós-Guerra deveu-se a uma distribuição de renda pautada na progressividade dos tributos.

Conforme esclarece Piketty (2014, p. 480), “o imposto não é uma questão apenas técnica, mas eminentemente política e filosófica, e sem dúvidas a mais importante de todas”; afinal, sem os tributos, a sociedade não alcança os objetivos coletivos.

No Brasil, a Constituição da República busca assegurar um Estado de bem-estar social que prestigie a igualdade, a justiça social e os direitos humanos fundamentais; no entanto, a tributação é regressiva, alcançando mais intensamente os menos favorecidos economicamente, o que imprime ao país um caráter altamente injusto. Apenas a progressividade do IR e do IPTU não é o bastante para um sistema tributário justo e redistributivo.

O impacto da política fiscal regressiva é negativo, pois agrava o fenômeno da desigualdade social ao concentrar a riqueza nas mãos das camadas mais favorecidas da sociedade. Nesse sentido, a tributação, principal recurso da política fiscal do país, não cumpre sua função social, afastando-se, assim, da justiça fiscal.

Logo, o sistema tributário vigente, além de não mitigar as diferenças sociais, incrementa-as. Para que haja uma melhora substancial na redução de tais desigualdades, deve-se buscar uma tributação amplamente progressiva em relação aos tributos diretos.

Em relação aos indiretos, o respeito ao mínimo existencial, tornando intributáveis os produtos de primeira necessidade e bens que sejam necessários a uma vida com dignidade. Dessa forma, com uma agenda macroeconômica, de estímulo da demanda agregada e de ajustes fiscais, ter-se-á um sistema tributário justo, tratando cada contribuinte na medida da desigualdade de suas rendas.