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Covid-19: estado de calamidade pública ou situação de emergência?

Diferenças entre os instrumentos de contenção da pandemia

Foto: francediplomatie/Fotos Públicas

Álcool, máscara, calamidade pública. Tríade presente nas redes sociais, no noticiário e em tudo relacionado ao COVID-19. Enquanto os dois primeiros dispensam apresentações, o estado de calamidade pública a nível nacional é inovação no ordenamento brasileiro em nível federal. A Constituição traz cinco menções à “calamidade pública”, sem definições diretas. De mais relevante, atribuiu à União a competência de planejar e promover a defesa contra calamidades públicas (art. 21, XVIII), no plural.

O tom apocalíptico da expressão “estado de calamidade pública” não se reflete na prática. Previsto no art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/02), sua decretação possui objetivos fiscais. Suas consequências se voltam à flexibilização, para o Executivo, do cumprimento de uma série de questões fiscais. Medidas menos drásticas do que as possibilidades previstas para o estado de defesa.

A caracterização do estado de calamidade depende de aprovação elo Legislativo. No caso da União, o Presidente, por meio da Mensagem nº 93, de março de 2020, requereu o reconhecimento de calamidade pública, justificando que, devido à pandemia, o cumprimento da meta fiscal geraria riscos de paralisação da máquina pública. Seguindo o rito da LC 101/02, o Congresso aprovou o requerimento por meio do Decreto Legislativo n° 6/20.

Em São Paulo, o Decreto nº. 64.879/20 reconhece o estado de calamidade pública no território estadual, com fundamento no Decreto Legislativo nº 6/20. Formalmente, há dúvidas quanto à validade do decreto de SP tendo em vista que (i) ele não segue o rito do art. 65 da LC 101/02; (ii) a existência autonomia fiscal no federalismo brasileiro. As suspensões voltadas à iniciativa privada, similares à norma do Estado do Rio, foram realizadas por meio do Decreto nº 64.881/20, que institui a quarentena no Estado de São Paulo.

Apesar do exemplo de São Paulo, no caso das medidas estaduais e municipais, não necessariamente estamos falando em estado de calamidade. Na maior parte dos casos, os entes sustentam suas medidas como “emergência em saúde pública”, referenciando no preâmbulo de suas normas a Portaria nº 188/20 do Ministério da Saúde. A Portaria previu o caso do COVID-19 como emergência em saúde pública de importância nacional em todo o território nacional.

Com base em tal conceito, o caso do Estado do Rio de Janeiro explora nova situação para combate à pandemia. No momento da explosão da crise do COVID-19, o Estado do Rio de Janeiro já havia decretado estado de calamidade pública até 31 de dezembro de 2020 por outra razão: a crise financeira que perdura desde 2016 (Lei Estadual nº 8647/19).

O Decreto Estadual nº. 46.973/20 instituiu medidas para prevenção do contágio e propagação do vírus apenas com base na emergência em saúde. As medidas se focaram na suspensão desde atividades coletivas até a operação aeroviária e funcionamento de estabelecimentos comerciais. Apesar da discutível constitucionalidade de determinadas suspensões, por questões relacionadas à divisão de competências federativas, o Decreto se mantém em vigor. No DF e nas cidades do Rio e de São Paulo, a emergência em saúde pública também foi a base jurídica para as medidas adotadas, sem a decretação do estado de calamidade pública até o fechamento deste artigo.

O estudo dos casos estaduais de RJ e SP reflete a pluralidade de opções no trato da questão, que se estende aos demais Estados e Municípios. A existência de medidas não uniformes, em contexto de urgência e imediatismo, acende o alerta para os limites constitucionais e legais do ordenamento. Cada medida deve ser adequada ao instrumento pertinente, garantindo a validade e estabilidade das ações empreendidas – seja em questões procedimentais (SP) ou no mérito da divisão de competências (RJ/SP). Afinal, mesmo no cenário de crise, é preciso garantir a observância à normatividade da Constituição e dos instrumentos dela decorrentes.

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