
Nas últimas semanas, o Brasil se comoveu com as imagens de indígenas yanomami doentes e desnutridos. Especialistas apontam que a tragédia humanitária — que há meses já era denunciada por entidades indigenistas — tem como causa central o avanço do garimpo ilegal na terra indígena. A ação dos garimpeiros contamina as águas dos rios com mercúrio, derruba a vegetação, afasta animais, leva violência e uma série de doenças, como malária e verminoses, aos povos originários.
Muito foi comentado sobre o papel de órgãos e entidades federais, como a Funai, o Ibama, o Ministério da Saúde e as Forças Armadas, no socorro aos indígenas e no combate às ações ilegais em seu território. Contudo, a Agência Nacional de Mineração (ANM) permanece fora do debate, não obstante seu papel central na regulação e fiscalização da atividade mineradora no país.
A ANM foi criada pela Lei 13.575/2017, em substituição ao antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia simples criada durante o regime militar. Por sua vez, a natureza jurídica da ANM é de autarquia de regime especial, com as características formais de uma agência reguladora, em especial o mandato fixo de seus dirigentes. Dentre suas competências estão a fixação de critérios para a concessão de títulos minerários, a expedição desses títulos, a fiscalização de atividades de mineração no território nacional e a aplicação das sanções cabíveis. Além disso, ao tomar conhecimento de fato que possa configurar infração penal, a agência deve comunicá-lo à autoridade competente.
As terras indígenas são bens da União, com usufruto dos povos originários, na forma dos artigos 20, XI e 231 da Constituição da República de 1988 e do artigo 2, IX da Lei 6.001/1973. Nestes territórios, a pesquisa e lavra de recursos minerais somente é permitida “com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei” (artigo 231, §3º).
A lei que deveria regulamentar essas atividades jamais foi editada. Tramita na Câmara dos Deputados o PL 191/2020, de autoria do Poder Executivo durante a gestão anterior, que pretende viabilizar a pesquisa e a lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos, bem como o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas. Mais de 3.000 pedidos de alvarás de pesquisas em terras indígenas aguardam junto à ANM a aprovação de lei que permita a sua concessão. No entanto, considerando também as diversas críticas de movimentos indigenistas ao projeto, não há até o momento indícios de que a atual composição do governo federal tenha interesse na votação do PL em plenário.
Sem lei que regulamente atividades mineradoras em terras indígenas nem, tampouco, outorga de títulos minerários pela ANM, a atividade garimpeira no território yanomami deve ser enquadrada como ilegal. Pode, inclusive, constituir crime ambiental, na forma dos artigos 44 e 55 da Lei 9.605/1998. Caberia, portanto, à agência, no exercício de seu poder de polícia, fiscalizar e reprimir as atividades, assim como notificar autoridades policiais sobre a prática de crimes.
A ANM é uma das mais recentes agências reguladoras brasileiras. Criada há pouco mais de cinco anos, ainda não conta com estrutura de pessoal e logística adequadas para realizar plenamente todas as suas competências. A indicação de especialistas que compreendam a importância das pautas ambientas e indígenas para a preservação do planeta no próximo mandato na agência, a formação de um corpo técnico robusto e a garantia de infraestrutura de trabalho para esses servidores são medidas fundamentais para evitar que a tragédia yanomami se repita.