Direito do Trabalho

Reforma trabalhista e alteração na disciplina da sucessão trabalhista

Lei buscou disciplinar a matéria de forma expressa, sanando dúvidas que existiam sobre a questão

Crédito: Pixabay

1. Conceito e fundamentos

A sucessão trabalhista é o fenômeno pelo qual ocorre a transferência de titularidade de empresa ou estabelecimento, com transmissão de créditos pela sucedida e assunção de dívidas pela sucessora.

Três princípios fundamentam a sucessão empresarial no âmbito trabalhista: continuidade, despersonalização do empregador e intangibilidade contratual objetiva.

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Pelo princípio da continuidade, tem-se que o contrato de trabalho tende a se perpetuar no tempo, diante da sua função social de garantir o sustento do trabalhador e de sua família. Assim, as contratações por tempo determinado não são a regra, mas sim a exceção. No âmbito da sucessão, o referido princípio determina que os contratos tendem a continuar, a despeito das alterações promovidas no âmbito da empresa, a exemplo de mudança de sócios, alteração na estrutura jurídica ou até mesmo transferência do estabelecimento.

O princípio da despersonalização do empregador parte da noção de que o contrato de trabalho só é personalíssimo quanto ao empregado, tanto assim que a lei exige, para configuração do vínculo de emprego, o requisito da pessoalidade na prestação de serviços. Tal requisito não se aplica ao empregador, salvo raras exceções, sendo regra que a alteração do empregador não interfere na subsistência do contrato de trabalho.

Por fim, o princípio da intangibilidade contratual objetiva, que é um aspecto da inalterabilidade contratual prevista no art. 468 da CLT, determina a prevalência dos aspectos objetivos do contrato (cláusulas), mesmo diante de alterações subjetivas, ou seja, mudança da pessoa jurídica que se encontra no comando da empresa.

O próprio artigo 2º da CLT, ao dispor que o empregador é a empresa, individual ou coletiva, e não a pessoa natural ou jurídica, adotou tese expressa no sentido de considerar empregador a atividade empresarial, independente de quem a esteja dirigindo. Assim, se um estabelecimento empresarial é transferido entre duas pessoas jurídicas, a adquirente passa à condição de empregador, uma vez que a atividade econômica agora será desenvolvida sob sua responsabilidade.

2. Regramento legal anterior à Reforma Trabalhista

Antes da Lei 13.467/2017, não havia regramento específico sobre sucessão trabalhista, embora tal fenômeno já decorresse das redações dos artigos 10 e 448 da CLT.

O artigo décimo dispõe que “Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”. A amplitude do dispositivo já permitia acolher a figura da sucessão trabalhista, assegurando ao empregado a continuidade do contrato de trabalho e de suas cláusulas fundamentais.

O artigo 448, por sua vez, dispõe que: “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”. Novamente o ordenamento jurídico resguardou o direito dos empregados à manutenção das antigas condições de trabalho, a despeito da transferência de propriedade do estabelecimento e dos meios de produção.

Vê-se, em ambos os dispositivos, novamente referência à empresa e não à pessoa natural ou jurídica, o que reafirma a tese, muito criticada por suposta atecnia, de que o empregador é a atividade empresarial e não a pessoa jurídica. Assim, ocorrendo transferência da atividade, o sucessor passa a ser empregador e o sucedido é retirado da relação de emprego.

3. Requisitos para configuração da sucessão

Tradicionalmente, a doutrina e a jurisprudência exigiam, para a configuração da sucessão trabalhista, a confluência de dois requisitos: a transferência do estabelecimento empresarial e a continuidade de prestação de serviços pelo empregado.

Délio Maranhão destaca que a alienação do estabelecimento não se opera quando a transferência afete elementos isolados, mas sim a universalidade, o conjunto do que foi considerado como res productiva, em função de sua capacidade de produzir um rendimento (MARANHÃO, 1999).

O sucessor, agora novo proprietário da unidade produtiva, passará a explorar a atividade econômica e aproveitará o estabelecimento, nome e clientela do antigo empreendedor. Em razão deste aproveitamento é que se justifica sua responsabilização pelos contratos anteriores. Em suma, o sucessor não herda apenas o ativo, mas também o passivo do estabelecimento.

De acordo com a teoria clássica, se houvesse interrupção da prestação de serviços pelo empregado, não se operaria a sucessão trabalhista. Vale dizer, se a empresa sucedida, antes da alienação, dispensasse o empregado, seria ela a única responsável pelas parcelas trabalhistas a ele devidas. A empresa sucessora, por nunca haver se beneficiado diretamente do labor do empregado, não teria qualquer responsabilidade.

Doutrina e jurisprudência evoluíram ao ponto de dispensar a continuidade da prestação de serviços como requisito para a configuração da sucessão trabalhista. Prevaleceu a noção de que não poderia o sucedido transferir todo o ativo sem onerar o sucessor com as respectivas obrigações trabalhistas. Tal situação ensejaria nítido prejuízo ao empregado, que muitas vezes perderia a garantia de recebimento de suas verbas alimentares.

O entendimento anterior permitia inúmeras fraudes e esvaziamento patrimonial, em situações nas quais o sucedido rompia o contrato de trabalho, alienava o estabelecimento e respondia sozinho pelas verbas trabalhistas, mas sem qualquer lastro patrimonial que as garantisse.

Neste contexto, o Tribunal Superior do Trabalho adotou, através da OJ 261 da SDI-I, a tese de que o banco sucessor responde pelas obrigações trabalhistas contraídas pelo banco sucedido mesmo em período anterior à sucessão, uma vez que ele se beneficiou dos ativos que lhe foram transferidos:

As obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do sucessor, uma vez que a este foram transferidos os ativos, as agências, os direitos e deveres contratuais, caracterizando típica sucessão trabalhista.

A jurisprudência aos poucos passou a abandonar a exigência da continuidade de prestação de serviços, conforme se vê no julgamento do E-RR-93400-11.2001.5.02.0048, SBDI-I, rel. Min. Brito Pereira, 4.4.2013, adotando como requisito fundamental apenas a transferência da unidade produtiva.

Cumpre esclarecer que a mera utilização do mesmo endereço comercial não configura transferência da unidade produtiva. É o que ocorre, por exemplo, na situação em que uma empresa locatária, que explorava atividade de comércio de roupas, devolve o imóvel ao locador que, por sua vez, celebra novo contrato de aluguel, desta vez com um restaurante.

No exemplo acima mencionado, não houve qualquer relação jurídica entre a empresa que deixou o imóvel e a nova empresa que passou a ocupá-lo. A ausência de liame jurídico entre as empresas, que apenas ocuparam o mesmo espaço em tempos diferentes, afasta qualquer pretensão de configuração de sucessão trabalhista.

Situação diferente ocorre quando um restaurante, já em funcionamento há anos em certo ponto comercial, transfere sua unidade a outro empreendedor, que continua explorando a atividade de venda de alimentos, com mesmo fundo de comércio, mesmos equipamentos e clientela, valendo-se de todo o patrimônio imaterial alcançado pelo empreendedor anterior. Nesta situação, é evidente a sucessão trabalhista e o sucessor responderá pelas dívidas trabalhistas atuais e pretéritas da empresa sucedida.

4. Reforma Trabalhista e sucessão

A Lei 13.467/2017 buscou disciplinar a matéria de forma expressa, sanando dúvidas que existiam sobre a questão. Editou-se o art. 448-A da CLT, nos seguintes termos:

Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. Parágrafo único.  A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.

Inicialmente, a lei nova previu, em caso de sucessão empresarial, a responsabilidade da empresa sucessora, não apenas quanto às obrigações trabalhistas posteriores à sucessão, mas também em relação aos débitos antigos.

Neste ponto, o legislador reformista assimilou a tese consagrada na Orientação Jurisprudencial º 261 da SDI-1 do TST, baseada na noção de que a aquisição do estabelecimento empresarial teria o efeito de transferir não só os ativos, mas também todo o passivo trabalhista.

Em relação à empresa sucessora, via de regra estará ela isenta de qualquer responsabilidade, se licitamente transferiu o estabelecimento, despojando-se dos ativos e também dos passivos da empresa.

No entanto, quando a sucessão opera-se de forma fraudulenta, previu a lei a responsabilização solidária entre as empresas envolvidas, de modo que ambas podem responder pelos débitos oriundos dos contratos de trabalho firmados em período anterior à sucessão.

A responsabilização solidária em caso de fraude já era defendida por parte da doutrina e jurisprudência pátrias, até mesmo com base no art. 942 do Código Civil, que prevê responsabilização solidária de todos os envolvidos no ato ilícito.

Foi adequada a solução prevista na lei. Em se tratando de sucessão lícita, a responsabilidade será apenas do sucessor; havendo, porém, sucessão fraudulenta, ambas as empresas serão responsáveis, pois agiram em conluio para prejudicar o trabalhador.

Questão controvertida que surgirá após a Reforma é a aplicabilidade do novo dispositivo legal às situações em que a jurisprudência negava a responsabilização do sucessor, como no caso de desmembramento de municípios (OJ 92) e em situações de falência e recuperação judicial (Lei 11.101/2005).

Tais entendimentos foram firmados à luz da legislação trabalhista vigente à época, que não previa, de forma expressa, a responsabilização do sucessor por todo o passivo trabalhista. Apesar disso, é plenamente possível a subsistência das exceções acima mencionadas, pois lastreadas em regras e princípios especiais, os quais não sofrem os influxos das regras gerais instituídas no art. 448-A da CLT.

5. Conclusão

A Lei nº 13.467/2017, ao instituir a Reforma Trabalhista, regulamentou expressamente sucessão trabalhista.

Neste ponto, não se vislumbra retrocesso quanto à garantia do credor trabalhista. A sucessão passou a ser prevista de forma expressa na CLT, inclusive com fixação da natureza das responsabilidades do sucessor e do sucedido, estabelecendo-se o limite e alcance de tal responsabilidade.