Pandemia

Quem é o pai do Auxílio: o Congresso ou o presidente? Tanto faz

Pesquisa mostra que Auxílio Emergencial atenua o declínio da popularidade do presidente

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Presidente Jair Bolsonaro. Crédito: Carolina Antunes/PR

A aprovação do presidente Jair Bolsonaro tem caído durante a pandemia. No entanto, as pesquisas de opinião pública apontam para um resultado surpreendente: o grupo de brasileiros com nível de renda mais baixo, que apoiava menos o presidente, se tornou o grupo que menos o desaprova.

A série de pesquisas de opinião da Quaest entre março e junho de 2020 indica que a desaprovação aumentou mais entre o eleitorado de renda média (de dois até cinco salários mínimos) e alta (mais de cinco salários mínimos) do que entre o grupo de renda mais baixa (até 2 salários mínimos).

Uma das hipóteses levantadas por acadêmicos e jornalistas é de que o Auxílio Emergencial, que começou a ser pago em Abril, ajudou a avaliação do presidente no grupo de menor renda.

Em texto publicado pelo JOTA na última quarta, Felipe Nunes e Cesar Zucco mostram que o Auxílio Emergencial atenua o declínio da popularidade do presidente.

Para demonstrar isso, eles usaram um método de análise chamado de pareamento, ou matching. Com o pareamento eles foram capazes de comparar pessoas semelhantes em variáveis como sexo, idade, escolaridade, religião e renda, mas que diferem por ter recebido ou não o benefício. Há boas evidências, portanto, para afirmar que o auxílio reduz a avaliação negativa, mas não aumenta a avaliação positiva.

Esse efeito do auxílio sobre a avaliação do presidente se dá por causa do que é chamado na ciência política de atribuição de responsabilidade. Se o benefício atenua a queda na avaliação do presidente entre aqueles que receberam, é provável que o presidente esteja recebendo créditos pelo programa.

Para avaliar se esse é o caso, a pesquisa da Quaest, realizada entre os dias 14 e 17 de Junho por internet com 1000 respondentes que compõem uma amostra representativa da população online, perguntou quem era o principal responsável pelo o Auxílio Emergencial.

Um pouco menos da metade (47%) disse que deputados e senadores do Congresso Nacional são os principais responsáveis. Já 38% disseram que o presidente Bolsonaro foi o principal responsável pelo Auxílio, enquanto 11% não souberam responder e 4% atribuíram o programa a governadores e prefeitos.

 

A atribuição de responsabilidade pelo programa é importante porque se todos os beneficiários acreditassem que o presidente não merece crédito pelo Auxílio, não faria muito sentido que a aprovação do presidente fosse impactada pelo programa.

Seguindo essa lógica da responsabilização, podemos pensar que o Auxílio deveria suavizar a avaliação negativa do presidente principalmente entre aqueles que o enxergam como responsável pelo programa. Isto é, se o presidente não é visto como responsável, o auxílio não deve ter tanto impacto sobre a avaliação.

De fato, a diferença entre aqueles que tiveram o benefício aprovado e negado é bem maior se o presidente é visto como responsável pelo Auxílio. Mais precisamente, 40% daqueles que tiveram o pedido negado e acreditam que o presidente é responsável pelo programa o desaprovam, enquanto apenas 21% daqueles que tiveram o benefício aprovado e acreditam que o presidente é responsável o desaprovam.

Ou seja, entre o grupo que vê o presidente como responsável pelo Auxílio, receber o benefício está associado a uma redução na desaprovação. Por outro lado, entre aqueles que acreditam que o Congresso é o principal responsável pelo programa, 68% das pessoas que tiveram o pedido negado desaprovam o governo ante a 62% que tiveram o pedido aprovado. Isto indica que entre o grupo que atribui o programa ao Congresso, o impacto de receber o benefício sobre a avaliação do governo é bem menor.

Por outro lado, os resultados também deixam claro que há uma relação clara entre a avaliação do governo e opiniões sobre quem é responsável pelo programa, independente se o respondente recebeu o benefício. Ou seja, aqueles que atribuem o Auxílio Emergencial ao Congresso avaliam o Congresso de forma mais positiva e o presidente de forma mais negativa.

Neste sentido, ser visto como “pai” do programa é de interesse de todo mundo. Talvez não seja surpreendente, portanto, que o presidente Bolsonaro esteja buscando receber crédito pelo programa.

No último dia 11, o presidente divulgou um vídeo sobre o auxílio nas mídias sociais de forma que associava o programa ao trabalho do seu governo. Cerca de uma hora depois, o deputado federal relator do projeto que levou a criação do programa, Marcelo Aro (PP-MG), rebateu o presidente ao relembrar que o governo foi inicialmente contra um valor acima de R$ 200 para o auxílio emergencial. Ou seja, há uma disputa por crédito pelo Auxílio.

Para avaliar como atribuição de crédito pode impactar as avaliações, elaboramos um pequeno experimento durante o questionário da pesquisa online. Os respondentes que avaliavam tanto o presidente como o Congresso de forma “regular” foram divididos durante a pesquisa em dois grupos.

O grupo “tratamento” recebeu na tela do computador um pequeno parágrafo que informava como foi a negociação do projeto entre governo e legisladores. O parágrafo informava sobre a posição inicial do governo para que o valor do auxílio fosse R$ 200, a iniciativa de aumentar o valor para R$ 500 por parte dos congressistas, a negociação final para R$ 600, e a demora do presidente para sancionar o projeto.

Ao mostrar o paragrafo, os respondentes foram informados sobre o importante papel do Congresso. Já o grupo “controle” não recebeu essa informação. Na sequência do estudo, perguntamos novamente a avaliação do governo Bolsonaro e a avaliação do Congresso Nacional para saber se receber o parágrafo com a informação sobre a negociação do Auxílio afeta as avaliações do presidente e do Congresso.

Os resultados indicam que a informação não teve impacto sobre a avaliação do presidente Bolsonaro, mas diminuiu significativamente a probabilidade de uma avaliação negativa do Congresso.

Portanto, os resultados da pesquisa confirmam a hipótese de que o Auxílio Emergencial tem evitado uma queda maior da popularidade do presidente entre os grupos de renda mais baixa da população, principalmente entre aqueles que creditam Bolsonaro pelo programa.

Ao mesmo tempo, o estudo indica que os parlamentares tendem a aumentar a popularidade do Congresso ao reivindicarem crédito pela aprovação do programa, mas não afetam a popularidade do presidente.

Sendo assim, Bolsonaro parece não ter nada a perder na batalha de propagandas e postagens reivindicando crédito pelo programa, embora tenha diretamente pouco a ganhar.

Por fim, ainda que seja difícil manter o Auxílio Emergencial por um longo tempo devido ao endividamento público, é possível imaginar que Bolsonaro já tenha enxergado o programa como forma de evitar quedas na sua popularidade e, portanto, continuará reivindicando crédito por ele.

A extensão do programa por mais alguns meses, ainda que com valores gradualmente menores, deve continuar ajudando sua popularidade. Resta saber se essas taxas se manterão e as mudanças na avaliação entre os diferentes grupos de renda representarão um realinhamento eleitoral no longo prazo e terão efeitos sobre resultados das eleições futuras.

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