Quaest Opinião

As raízes do Bolsonarismo e sua transformação

Presidente da República está vendo sua rejeição aumentar e sua base eleitoral mudar

Foto: Marcos Corrêa/PR

Desde o início da crise da pandemia da Covid-19, tendo seu primeiro caso no Brasil confirmado em 26 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro adotou uma estratégia, no mínimo, polêmica. Suas diversas declarações e ações, juntamente com o avanço dos casos confirmados no país, têm impactado sua popularidade e provocado rachaduras em sua base de apoio. Segundo as últimas pesquisas de opinião, aproximadamente 50% do eleitorado brasileiro avaliam negativamente o atual governo.

Embora evidente, a queda de popularidade de Bolsonaro ainda precisa ser explicada. Afinal, o que de fato gerou esse resultado? Há três hipóteses circulando na grande imprensa: (1) a forma como Bolsonaro vem conduzindo o país durante a crise da Covid-19 estaria lhe tirado pontos, (2) a demissão do ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, teria abalado seu eleitorado mais pragmático, já que o ministro vinha sendo bem avaliado pela população, e (3) a saída do ministro Sérgio Moro, atirando contra o presidente, teria levado parte da base bolsonarista, que apoiava o governo pelos seus ideias anti-corrupção.

As três hipóteses são plausíveis e encontram apoio nos dados, embora seja necessário explicitar algumas nuances.

Desde o começo da pandemia, temos publicado resultados de pesquisa mostrando alta rejeição da população brasileira à forma como o presidente vem conduzindo o país neste momento. Em pesquisa realizada pela Quaest e publicada no dia 23 de março, por exemplo, mostramos que 52% dos brasileiros avaliavam que o presidente lidava mal ou muito mal com a crise do coronavírus. Um mês depois, em outra pesquisa nacional também realizada pela Quaest, esse percentual já batia os 62%. Embora em patamares altos, a avaliação negativa do presidente na condução do país durante a crise não afetava o seus core voters. Neste período, a avaliação negativa aumentou de 35% para 45%, enquanto a avaliação positiva continuou estável, em torno dos 30%.

Exatamente neste intervalo de tempo entre as duas pesquisas que o ministro Mandetta foi demitido. Como a pesquisa mostrou, 67% dos brasileiros reprovou a demissão do ministro da saúde. Entre os eleitores de Bolsonaro, no entanto, 61% aprovou a saída de Mandetta. Como explicitado acima, a avaliação negativa subiu 10 pontos percentuais, em parte pela saída de Mandetta, em parte pela má condução que Bolsonaro fazia do país frente à crise. Embora a maioria do eleitorado tenha reprovado o ato presidencial, os seus core voters permaneceram estáveis, continuaram apoiando e aprovando o presidente.

O gráfico abaixo mostra essa dinâmica de mudanças nos eleitorados Bolsonaristas e não-Bolsonaristas em relação à eleição de 2018. A linha vertical tracejada de vermelho indica o dia em que o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi demitido, 16 de abril. É possível perceber, como explicitado acima, que a rejeição de Bolsonaro cresceu com a sua saída, mesmo entre os seus eleitores. Mas a avaliação positiva neste período cresceu ainda mais nesse segmento, indicando maior força de apoio ao presidente como um todo. Não foi a saída do ministro da saúde que desmobilizou o núcleo de apoio ao governo e ao presidente.

O terceiro evento, o pedido de demissão do então ministro Sérgio Moro, teve consequências mais sérias para Bolsonaro. Sua saída do governo não só gerou aumento da reprovação do presidente em geral, como também gerou um racha dentro do núcleo bolsonarista. A Quaest publicou pesquisa, juntamente com o JOTA, em 27 de abril, mostrando que a avaliação negativa do governo após a saída de Moro havia passado para 48%, 3 pontos percentuais a mais do que a aferição realizada na semana anterior. Mostramos também que caiu de 31% para 20% a avaliação positiva do governo. Um racha na base de Bolsonaro que ainda não havia sido observada em toda a série histórica. No gráfico acima é possível ver essa divisão entre os core voters do presidente de forma muito clara.

A linha vertical tracejada de azul indica o dia em que Moro deixou o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública. Na pesquisa JOTA/Quaest publicada no fim do mês passado, 61% reprovava Bolsonaro na condução do país durante a crise, e 67% achavam que Moro fez certo ao pedir demissão e sair do governo. Ou seja, não houve mudança percentual no contingente que avaliava mal o presidente na condução da crise, mas era significativo o percentual que torcia o nariz para a saída de Moro. O mais grave para o governo é que essa reprovação não aconteceu, como no caso do Mandetta, apenas fora da base Bolsonarista. Ela aconteceu majoritariamente dentro do núcleo de eleitores de Bolsonaro.

Segundo a pesquisa, 53% dos eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018 acharam correta a saída de Moro e 42% acreditaram em Moro. É logo após o rompimento entre Moro e Bolsonaro que se observa a maior queda de avaliação positiva do governo. Cai de 60% para 41% a avaliação positiva de Bolsonaro entre os seus eleitores de 2018.

Essa queda de 21% teve consequências que foram além da mudança numérica do contingente de apoio do presidente. Esse evento também intensificou a mudança do perfil do eleitor que apoia o governo.

No gráfico abaixo, representamos os percentuais de cada segmento sócio demográfico entre aqueles que avaliam como bom ou ótimo o governo Bolsonaro. Para efeito de comparação, utilizamos os dados das pesquisas da Quaest realizadas na primeira semana de março, início da crise da Covid-19 no Brasil, e após a saída de Sérgio Moro, no final de abril. Os gráficos mostram uma mudança significativa na composição social da base de Bolsonaro.

Antes da crise, a base social bolsonarista era composta majoritariamente por famílias que recebiam melhores salários, evangélicos, moradores das regiões Sudeste e Sul. No final de Abril, a composição passou a ser bem diferente. O governo passou a ser mais bem avaliado por homens, católicos, de renda baixa. Embora a maioria dos apoiadores continue sendo morador do Sudeste, aumentou quase 10 pontos percentuais o apoio ao governo advindo da região Nordeste. Parece que a saída de Sérgio Moro também representou a saída de parte da classe média que apoiava Bolsonaro desde a eleição. Os anti-petistas de 2018, fortemente representados na classe média das grandes cidades do Sudeste, ao que tudo indica, desembarcaram do governo Bolsonaro juntamente com o ex-ministro da Justiça.

Entre março e abril, também mudou o sentimento em relação ao futuro do Brasil e a percepção da evolução do país. Como mostram os gráficos abaixo, a preocupação tomou conta do bolsonarismo. Em março de 2020, 47% dos apoiadores do governo se sentiam otimistas em relação ao futuro do país, enquanto 36% estavam preocupados. Em abril, o cenário se inverteu. Enquanto 35% dos bolsonaristas estavam otimistas, a grande maioria se sentia preocupada (de 36% para 58%). Seguindo a mesma tendência, subiu de 21% para 39% o percentual dos bolsonaristas que acham que o Brasil está parado ou piorando, enquanto caiu de 77% para 53% os que acreditam que o Brasil está melhorando.

Nossos dados mostram que Bolsonaro perdeu apoio nos últimos meses e sofreu uma alteração significativa no perfil dos seus apoiadores. Resta saber se Bolsonaro se adequa à nova realidade e continua discursando para sua pequena, mas coesa base; ou se modera mais o discurso e tenta recuperar parte do apoio que perdeu. De qualquer forma, estar apoiado durante uma crise dessas nos que estão preocupados, pessimistas e com baixa renda, representa um risco grande para o presidente.

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