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Sistemas de saúde inteligentes

Registros online, telemedicina, algoritmos e compras consorciadas: soluções mais eficientes e legítimas do que a judicialização

Foto: Mário Oliveira – SEMCOM

A judicialização da saúde é um fenômeno naturalizado no Brasil. Nosso mindset já se acostumou com as interferências determinantes do Sistema de Justiça tanto nas políticas de saúde pública, como na regulação da saúde suplementar. Trata-se de padrão mental ao qual estamos aprisionados.

Faço três objeções básicas ao gerenciamento judicial da saúde.

Primeira: o acesso assimétrico dos cidadãos ao Judiciário, agravado pela obtenção de prestações diferentes definidas por distintos juízes, gera um problema de isonomia e exclusão.

Segunda: a ausência de planejamento e de expertise por parte do Judiciário gera sério problema de eficiência na alocação dos recursos públicos e privados.

Terceira: a distribuição da jurisdição em processos individuais ignora seus efeitos sistêmicos, em muitos casos contrários a objetivos legítimos escolhidos por agentes eleitos ou por reguladores técnicos. Ou seja, há também um problema de legitimidade.

O Direito não responde bem a essas questões. Precisamos voltar a apostar em soluções políticas inteligentes para a saúde. Os registros pessoais de saúde online são uma espécie de histórico de todos os dados médicos, exames, tratamentos realizados, medicamentos usados e evolução clínica de 99% dos cidadãos da Estônia.

Trata-se de sistema criptografado que viabiliza a prática da telemedicina, empodera os pacientes e amplia exponencialmente a eficiência dos gastos com saúde. Qualquer médico público ou privado, devidamente autorizado, pode acessar os arquivos do paciente, solicitar exames, verificar resultados, prescrever medicamentos e tratamentos e até realizar consultas online, nos casos indicados ou em situações críticas.

A inteligência artificial tem tido uso crescente na medicina.

Nos Estados Unidos, por exemplo, nefropatologistas se utilizam de modelos matemáticos para estimar a vida útil remanescente de um rim para doação e avaliar o seu grau de compatibilidade com os potenciais candidatos a transplante.

A maximização do sucesso dos transplantes envolve tantos critérios médicos complexos e dinâmicos que o seu “cálculo” será realizado com maior precisão por uma máquina capaz de aprender com a própria experiência. Imagine-se o que os algoritmos não serão capazes de fazer na predição da evolução de tecidos potencialmente malignos ou da mutação de novos vírus ou bactérias.

Finalmente, dou um exemplo simples colhido da realidade brasileira. Os estados do Nordeste se consorciaram e passaram a promover licitações para a aquisição conjunta de medicamentos e equipamentos médicos. No fim de 2019, anunciaram economia de R$ 50 milhões no primeiro lote de medicamentos. Pretendem agora se associar aos Estados do Norte e do Centro-Oeste. Descobriram planejamento e ganhos de escala.

A pandemia do COVID-19 restabeleceu a força da vida real: precisamos de uma sistema de saúde que faça o máximo com os recursos de que dispomos, prestando contas com transparência de seus limites.

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