A autonomia do Banco Central (BACEN) é uma conquista institucional importante para o país. Com ela, a política de juros, essencial para o controle da inflação, fica protegida de pressões de curto prazo. O populismo é o regime político que planta uma mentira doce no presente para colher uma verdade amarga no futuro. Governos populistas costumam financiar a expansão de seus gastos com inflação. O descolamento do BACEN de interesses eleitorais imediatistas coloca a estabilidade da moeda em patamar mais seguro.
A Lei Complementar n° 179/2021 transformou o BACEN numa agência autônoma, a exemplo do Federal Reserve e do Banco Central Europeu. Presidente e diretores serão nomeados para o cumprimento de mandatos fixos, por indicação do Presidente da República e com aprovação do Senado. Essas nomeações devem recair sobre técnicos de notório saber econômico-financeiro, com reputação ilibada. O modelo já passara pelo teste de constitucionalidade no STF, quando do julgamento da ADI 1.949/RS, ministro-relator Dias Toffoli, julgada em 2014, na qual se reconheceu a legitimidade das agências reguladoras autônomas. Por isso causou espécie o ajuizamento da ADI n° 6.696 contra a LC 179/2021.
O relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, acolheu a alegação de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, que resultaria da violação do art. 61, parágrafo 1o, inciso II, alíneas “c” e “e”, da Constituição Federal. Tais dispositivos instituem iniciativa legislativa privativa do Chefe do Executivo. O ministro Luís Roberto Barroso pediu vista e proferiu voto divergente, julgando o pedido improcedente, mas o julgamento só prosseguirá por videoconferência.
O Supremo terá que decidir se privilegia a forma ou a substância. Contra o defeito de forma, três pontos: (I) o PL não criou ou extinguiu Ministério ou órgão da Administração, tendo se limitado a reconfigurar a governança do BACEN; (II) o PL não versava exatamente sobre regime de servidores públicos, mas sobre agentes políticos que dirigem o BACEN; (III) o fato de que o PLP 19/2019, ao receber um substitutivo, acabou por incorporar os temas constantes do PLP 112/2019, na mesma linha, de iniciativa do Executivo. Isso demonstraria a inequívoca intenção do Presidente de iniciar o processo legislativo sobre a matéria, no mesmo sentido do Projeto de iniciativa parlamentar aprovado. A favor da forma: a jurisprudência que considera que nem mesmo a sanção pode sanar o vício de iniciativa.
Diante de interpretações alternativas e possíveis do ponto de vista constitucional, o Supremo deveria privilegiar a substância ao invés de enrijecer as formas, e confirmar a validade da LC 179/2021.