Coronavírus

Ocaso da pajelança regulatória: o método como legado da pandemia

Apego ao método científico reduz o espaço para soluções demagógicas e voluntariosas, típicas de pajelança regulatória

Crédito: Public Domain Pictures

A sociedade está inundada de informações sobre pesquisas para desenvolver remédios, vacinas e procedimentos eficazes no combate à COVID-19. Temas científicos como infectologia, epidemiologia e biologia entraram na pauta mundial. Pessoas comuns se veem opinando sobre estratégias para enfrentar a doença.

O desafio dos pesquisadores é comprovar a relação de causa e efeito entre as terapias testadas e o fim esperado. Para tanto, são empregados métodos de verificação que buscam isolar a proposta terapêutica e observar se ela, por si, é capaz de produzir o resultado desejado. A imersão no universo da pesquisa médica pode trazer consequências benéficas para outras searas. Uma delas pode ser a valorização da pesquisa séria, com método, para identificação de práticas regulatórias eficazes.

A regulação estatal (leis, decretos, resoluções) existe para atingir certos objetivos: segurança, combate à corrupção, desenvolvimento econômico. Mas as técnicas para aferição de sua eficácia ainda são pouco difundidas. Pouco se faz para examinar, prévia ou posteriormente, se a regulação é eficaz. Predomina um estado de pajelança regulatória.

O regulador prescreve um tratamento sem testar os seus efeitos, bastando fazer crer que se trata da melhor terapia para o caso. Enquanto a sociedade confiar na garrafada jurídica, ela vai sendo mantida. Esse modelo é arriscado. O perigo é criar e manter regulações ineficazes e até mesmo prejudiciais aos fins almejados.

Como saber se remédios jurídicos produzem os efeitos desejados? Como aferir danos indiretos de sua adoção? Como testar inovações regulatórias? Essas respostas podem ser obtidas aplicando-se instrumentos próprios da estatística, da sociologia, da economia, da administração, da contabilidade, entre outras áreas do conhecimento capazes de, com método, aferir a eficácia da regra em exame. É preciso reconhecer que técnicas tradicionalmente cultivadas na s academias jurídicas ajudam pouco nesse campo.

As boas práticas regulatórias adotadas internacionalmente impõem aos reguladores a demonstração de eficácia de suas medidas. O País conta com boas iniciativas para promover esse fim, tais como a exigência de análise de impacto regulatório antes da edição de atos normativos, a criação de áreas pontuais de experimentação de medidas regulatórias e a adoção de procedimentos revisionais da regulação vigente, com análise retrospectiva de seus efeitos. É preciso torná-las mais eficazes e difundidas.

Tramita no Congresso projeto de lei que pretende impor a adoção dessas boas práticas regulatórias. A disseminação de conceitos básicos da metodologia científica pode fazer com que a sociedade seja mais exigente desse tipo de demonstração, tornando os testes de eficácia da regulação mais frequentes e de melhor qualidade. Como na medicina, o apego ao método científico reduz o espaço para soluções demagógicas e voluntariosas, típicas de pajelança regulatória.

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