Publicistas

Como vive o Direito Público na Praça dos Três Poderes

Crônica de duas reuniões exemplares, seus modos e valores

Foto: Marcos Corrêa/PR

As salas de Brasília vieram de pranchetas sonhadoras, modernistas. Naqueles anos 1950, queríamos escapar do passado ruim e criávamos nossa administração pública impessoal e o constitucionalismo democrático. Depois, muito de frustrante (1964) e generoso (1988) aconteceu. Nas salas do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, circularam autoridades e juristas, estes a pingar diferentes óleos de direito público nas engrenagens do poder. Aí chegou 2020, os vírus se descontrolaram. E tudo se pôs a ruir. Era preciso agir, e as cúpulas de Brasília se reuniram.

No Planalto, em 22 de abril, quando 3 mil brasileiros já tinham caído pela Covid-19, o presidente juntou seus ministros. Na mesa, o destino do país. Nosso barco pode estar indo para um iceberg”, disse. Mas pouco se tratou de saúde ou economia. Quanto à contaminação, o ministro da área disse algo (e não durou no cargo). O colega sugeriu, talvez falando de turistas: Deixa cada um se f. do jeito que quiser”. Outro, sobre a mudança de normas jurídicas, propôs aproveitar a confusão para passar a boiada”.

A conversa, animada, passou bastante pelo direito público. Houve muita ira. Todos contra: contra o STF, contra os juízes, contra as normas de regulação, contra as autonomias federativas, contra a imprensa livre, contra os direitos indígenas – todos irritados com o publicismo do país. Também se falou a favor, mas de interesses pessoais, estranhos aos publicistas: mencionaram-se filhos, irmãos, amigos, até um sistema de informações clandestino.

Soluções impacientes vieram à mesa: prender, armar, interferir (“Vou interferir!”). Órgãos públicos foram citados, mas sem uma palavra sobre limites jurídicos e regras de competência.

Exceção: lembrando o art. 142 da Constituição, alguém, ladeado por generais, gritou ser o chefe supremo das formas armadas. E sintetizou: Eu tenho o poder e vou interferir”.

Em 20 e 21 de maio, quando o STF se reuniu para tratar da constitucionalidade da medida provisória 966, os mortos da pandemia já passavam de 20 mil. E os ministros já sabiam pelos jornais o que se falara do outro lado da praça. A sessão do STF definiria os limites da responsabilidade dos gestores públicos na pandemia. Imprensa e oposição exageravam: os governantes querem salvo-conduto contra o direito público! Alguns controladores pediam para se livrar dos protocolos que a MP lhes impunha (os mesmos protocolos que já estavam em outra lei). Ministros, diziam uns e outros, barrem a MP. Parecia bom: ficaria mais fácil o lado de lá ser acossado nos tribunais.

O STF poderia mandar “às favas todos os escrúpulos de consciência” – como, em 1968, no dia do AI-5, alguém sugeriu. Mas o STF não o fez. Em sessões graves, respeitosas, às vezes aborrecidas, discutiu saúde pública, desafios públicos, competências e responsabilidades públicas. Divergiu em público, acresceu algo, se aferrou com paciência ao direito público e não barrou a MP. São bem diferentes os modos e os valores de um juiz.

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