Direito Tributário

Incorporação societária e relação jurídica tributária continuada

Há o aproveitamento da coisa julgada à incorporadora?

Crédito: Pixabay

A incorporação societária gera diversas consequências nas questões tributárias que permeiam a vida fiscal das empresas incorporada e incorporadora. Muitas questões práticas afloram em processos de incorporação, eis que na relação contribuinte e fisco existem inquietações pertinentes a débitos e créditos tributários.

Uma questão que gera dúvida entre os gestores do processo de incorporação societária reside na possibilidade da empresa incorporadora se valer de decisão transitada em julgado, em favor da incorporada, em que se afasta o recolhimento de um crédito tributário de relação jurídica continuada. Por exemplo, uma decisão em que se afaste o recolhimento de IRPJ sobre crédito presumido de ICMS concedido pelo Estado mensalmente.

Nesse contexto, pergunta-se: quais os efeitos na empresa incorporadora da coisa julgada, proferida a favor da empresa incorporada, que afasta a incidência de tributo sujeito a relação jurídica continuada?

O mundo complexo da globalização e de economia em escala trouxe um incremento na demanda por processos de reestruturação societária, dentre essas modalidades merece destaque a incorporação. Trata-se de um processo de esforço conjunto entre duas ou mais sociedades em que seus patrimônios são somados para a busca de maior competitividade, lucratividade e domínio de mercado.

Nesta espécie de reestruturação societária, uma das empresas, denominada incorporadora, absorve uma ou mais empresas, designada(s) incorporada(s), e acaba por suceder esta(s) em todos os seus direitos e obrigações1. Em resumo, os patrimônios líquidos são somados e a empresa incorporadora e incorporada passa a ser uma só.

Segundo Ricardo Negrão, a incorporação é “o processo pelo qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em direito e obrigação”.2

Em termos societários, a incorporação reclama a aprovação por todos os acionistas das empresas incorporadora e incorporada, assim como registro público dos atos societários.

Levado a cabo a incorporação, verifica-se a extinção da empresa incorporada, sendo todo o seu ativo e passivo transferido para a empresa incorporadora.

Dada a importância do tema, o Código Tributário Nacional regulamentou expressamente os efeitos da incorporação societária perante o ente tributante:

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

Desta forma, não resta dúvida de que o credito tributário não adimplido pela empresa incorporada será transferido para a empresa incorporadora, a qual sofrerá todas as consequências da inadimplência fiscal.

Os créditos tributários que por ventura existam na escrita fiscal da empresa incorporada, assim como aqueles decorrentes de decisão transitada em julgada poderão ser aproveitados pela incorporadora dentro dos limites legais ou constantes da coisa julgada.

Também, as decisões transitadas em julgado, a favor da incorporada, em relação a tributo de incidência instantânea, tem repercussão favorável na empresa incorporadora, pois se trata de ato jurídico perfeito que já surtiu seus efeitos no mundo jurídico.

Questão mais complexa é a que surge em diversos processos de incorporação societária, quando há decisão transitada em julgado, a favor da incorporada, que afasta o recolhimento de tributo de relação jurídica continuada.

Nestes casos, a pergunta a ser respondida é a seguinte: a decisão transitada em julgado, a favor da incorporada, que determina o não recolhimento de certo tributo que se renova de tempos em tempos, é capaz de atingir as relações jurídicas tributárias continuadas encabeçadas pela incorporadora?

Em um primeiro momento poder-se-ia afirmar que sim, eis que segundo a legislação civil e comercial a empresa incorporadora assume todo o ativo e passivo da empresa incorporada.

No entanto, se analisarmos o sistema jurídico brasileiro como um todo, assim como avançarmos nos efeitos do processo de incorporação, certamente a nossa resposta será não.

Nossa legislação processual garante a imutabilidade das decisões transitadas em julgado apenas paras as partes litigantes. Assim, teríamos um primeiro obstáculo a ser superado, pois a empresa incorporadora não foi parte da ação judicial que afastou o recolhimento de determinado tributo continuado.

Por sua vez, um dos efeitos do processo de incorporação é a extinção da empresa incorporada e a transferência de todo o seu patrimônio para a empresa incorporadora. Nestes termos, a empresa que litigou contra a Fazenda Pública não mais subsiste.

Desta feita, a extinção da pessoa jurídica impede a extensão dos efeitos prospectivos da decisão transitada em julgado que afastou o recolhimento do tributo continuado.

Entretanto, nada impede que a empresa incorporadora apresente demanda judicial com o mesmo objeto e causa de pedir, eis que, como a coisa julgada não se transfere para a empresa remanescente, inaplicável o dispositivo processual que impede a rediscussão judicial da demanda.3

A impossibilidade de se transferir a imutabilidade da coisa julgada para a empresa incorporadora impede, ainda que reflexamente, a existência de um mercado paralelo de processos de incorporação sem essência econômica, em que o único interesse da incorporadora resida na decisão transitada em julgado.

Portanto, em processos de incorporação societária, em que a empresa incorporada tenha a seu favor decisão transitada em julgado que afaste o recolhimento de tributo de natureza continuada, não haverá efeitos prospectivos da referida decisão em relação à empresa incorporadora. Neste caso, poderá a empresa remanescente propor nova demanda que contemple o mesmo pedido e causa de pedir.

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1 Código Civil, artigo 1.116 e Lei nº6.404/1974, artigo 227.

2 NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 500.

3 Código de Processo Civil – artigo 502.

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