O mundo fora dos autos

Suprema Corte dos EUA pode restringir direito de greve

Juízes debaterão se empregadores podem processar sindicatos por perdas econômicas decorrentes de paralisação

Trump
Prédio da Suprema Corte dos EUA. Crédito: Unsplash

Uma paralisação de caminhoneiros ocorrida e resolvida há muitos anos no estado de Washington, na costa oeste dos EUA, deixou um legado que poderá colocar em risco o direito de greve de todos os trabalhadores americanos.

Uma companhia fornecedora de concreto alegou que uma paralisação repentina de motoristas de betoneiras provocou a perda de milhares de toneladas de massa do material, que acabou “empedrando” com o desligamento dos equipamentos que a fazem girar, de modo a garantir sua maleabilidade. Em razão disso, processou o Sindicato dos Caminhoneiros (Teamsters) na Justiça Estadual, alegando danos aos seu patrimônio.

A legislação federal americana (National Labor Relations Act, de 1935) não permite que os sindicatos sejam responsabilizados por perdas econômicas decorrentes da greve, já que a paralisação da produção de bens ou da prestação de serviços é justamente o instrumento que os trabalhadores podem utilizar para pressionar pela negociação coletiva. No entanto, há exceções, como dano deliberado à propriedade, violência ou vandalismo.

No caso, conhecido como Glacier Northwest, Inc. v. International Brotherhood of Teamsters Local Union 174, há uma certa controvérsia quanto aos fatos, pois o sindicato alega que os caminhões que estavam em operação foram redirecionados ao pátio da empresa quando a greve foi decretada, com tempo hábil para a retirada e reaproveitamento do material, que caberia a outros empregados e não aos motoristas. O empregador, de sua parte, alega que o procedimento dos grevistas foi proposital, com intuito de causar dano econômico ao empregador, que não pôde reaproveitar o material. É incontroverso que os caminhões não foram danificados.

Porém, a Suprema Corte não adentrará esse mérito, pois examinará o caso sob uma questão procedimental: os empregadores podem processar sindicatos perante a Justiça Estadual, por alegada violação ao seu patrimônio? De acordo com a legislação trabalhista americana, todos os conflitos decorrentes de movimento grevista devem ser adjudicados administrativamente perante a National Labor Relations Board, uma agência federal criada pelo NLRA (1935), com a finalidade de resolver conflitos decorrentes de negociação coletiva e greve.

Assim, conforme o artigo VI, cláusula II, da Constituição dos EUA, incide a doutrina da preemption, que significa a prevalência de leis federais sobre a legislação estadual. Desta forma, em princípio, conflitos decorrentes de greve precisam passar obrigatoriamente pela jurisdição administrativa e somente poderiam chegar ao Judiciário (e através da Justiça Federal) quando exaurida a deliberação do NLRB.

Assim foi o entendimento da Justiça Estadual de Washington, que extinguiu a ação por entender que lhe faltava jurisdição sobre o caso. A tese da empresa recorrente (que contratou um escritório de advocacia cujo sócio era um dos conselheiros jurídicos do governo Trump) é a de que, no caso das exceções por dano deliberado ao patrimônio, a ação teria natureza essencialmente civil e, portanto, poderia ser ajuizada na Justiça Estadual.

Em princípio, a questão já foi solucionada anteriormente pela Suprema Corte no procedente San Diego Building Trades Council v. Garmon, de 1959, em que se afirmou a doutrina da preemption em favor da jurisdição administrativa federal, mesmo em ações por danos decorrentes de greve.

Assim, já é atípico que a Suprema Corte tenha admitido o recurso, supostamente em razão da antiguidade do procedente e de uma teórica inovação nos argumentos. Atípico, mas compreensível no contexto presente: a atual composição extremamente conservadora da Suprema Corte (especialmente em matéria sindical) tem estimulado o patronato a recorrer à corte constitucional para revisão de antigos precedentes favoráveis à classe trabalhadora. O empresariado americano entendeu muito facilmente que com a atual maioria “antilabor” é hora de “passar a boiada”.

A decisão deve ser proferida até o final deste semestre. Se acolhida a tese patronal, será mais uma dificuldade para a vida dos sindicatos americanos, que passam por fase de crescimento e expansão de movimentos grevistas.

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