Desde 1971, quando Richard Nixon, em curto espaço de tempo, conseguiu nomear quatro juízes para a Suprema Corte (incluindo os percalços de duas indicações fracassadas), tem havido um predomínio conservador naquele tribunal, com uma maioria ininterrupta de cinco Justices presumivelmente conservadores, indicados por presidentes republicanos. E de lá para cá, a Suprema Corte teve apenas três presidentes, todos igualmente indicados por presidentes eleitos pelo Grand Old Party: Warren Burger (Nixon), William Rehnquist (Regan) e John Roberts (George Bush, filho).
O predomínio conservador de cinquenta anos na Suprema Corte parece claro e inconteste, mas muitos questionam o quão conservadora seria a jurisprudência produzida nesse período, em que foram reconhecidos como constitucionais o direito ao aborto, às ações afirmativas e ao casamento homoafetivo, apenas para ficar em três casos mais emblemáticos em que prevaleceram teses geralmente associadas ao ideário liberal (isto é, da esquerda americana).
De fato, especialmente em temas morais, a “Corte Nixon”, como sarcasticamente os críticos designam o período Burger-Rehnquist-Roberts, foi bastante centrista, seguindo em geral a opinião pública dos americanos em questões de moralidade pública. No entanto, quando na pauta de julgamentos a corte se defronta com questões eminentemente econômicas, que envolvem trabalhadores, consumidores ou acionistas em face de grandes empresas, o resultado quase sempre é adverso àqueles que se encontram no lado mais fraco da disputa.
A jurisprudência trabalhista do período é bastante significative desse comportamento. Quando a corte se defrontou com questões relativas a discriminação no trabalho, o resultado em geral (mas nem sempre) foi favorável aos trabalhadores. No entanto, quando as controvérsias julgadas diziam respeito a disputas sobre o cerne do contrato de trabalho (salários e jornada), sobre o acesso dos trabalhadores ao judiciário ou, ainda, sobre mobilização sindical, as decisões tendem a favorecer os empregadores.
Assim, pode-se dizer que em questões trabalhistas, uma visão de igualdade civil nas relações laborais tem prevalecido mesmo neste período conservador. Por exemplo, em Griggs v. Duke Power (1971) a Corte acolheu em uma ação trabalhista coletiva a teoria do impacto desproporcional nas lides sobre discriminação com base em norma regulamentar aparentemente neutra; em Frontiero v. Richardson (1973), inaugurou jurisprudência copiosa equiparando os direitos das mulheres aos homens no mercado de trabalho; no caso United States Steelworkers of America, AFL-CIO-CLC v. Weber et. Al. (1979), considerou constitucional o establecimento de cotas raciais em acordos coletivos de trabalho; em Meritor Savings Bank v. Vinson (1986) reconheceu que o assédio sexual é uma forma de discriminação tutelada pela Civil Rights Act; em Johnson v. Transportation Agency, Santa Clara County, Califórnia (1987), admitiu a constitucionalidade de ações afirmativas para mulheres em empregos públicos; em Meachean v. Knolls Atomic Power (2008) atribui ao empregador o ônus de prova em processos de discriminação por idade; em Equal Employment Opportunity Comission v. Abercombie & Fitch Stores (2015) declarou como discriminatória recusa em admitir empregado por sua idumentária religiosa; em Bostock v. Clayton County (2020), reconheceu que a Lei dos Direitos Civis de 1964, ao vedar dispensas “por motivo de sexo” também protege os trabalhadores contra despedida por orientação sexual.
Embora tenha acompanhado a tendência das Cortes Burguer e Rehnquist em matéria de discriminação no trabalho, os últimos 15 anos da presidência Roberts tem sido bastante duros para trabalhadores e sindicatos em temas fundamentais de relações laborais, como nos casos Ledbetter v. Goodyear (2007), em que a corte deu interpretação restritiva para o prazo prescricional relativo a parcelas de trato sucessivo, em ações trabalhistas, por discriminação de gênero (decisão posteriormente superada por lei federal do governo Obama); Wall Mart v. Dukes (2011), na qual entendeu incabível ação coletiva para demonstrar discriminação salarial relativa a um milhão e meio de trabalhadoras mulheres; Sandifer v. United States Steel Corporation (2011), em que entendeu possível a exclusão da jornada de trabalho dos minutos destinados a vestir equipamento especial de trabalho, antes e depois do início da jornada; Epic Systems v. Lewis (2018), no qual se permitiu aos empregadores firmar, no ato da admissão, compromisso arbitral com empregados, vedando-lhes a possibilidade de litigar em juízo; e Janus v. AFCME (2018), caso em que a corte reverteu, por overruling, jurisprudência pacífica desde 1977 que permitia contribuições sindicais compulsórias de servidores públicos para bancar despesas de negociação coletiva.
No ultimo ano judiciário encerrado há alguns dias, a Corte Roberts se deparou com um julgamento (Cedar Point Nursery v. Hassid) que, para alguns dos críticos da atual composição conservadora, seria o caso “Lochner” da presidência Roberts, por envolver um conceito básico de liberdade sindical em face do poder privado empresarial.
Uma lei estadual da California de 1975 sobre trabalho no campo permitia que sindicalistas visitassem propriedades rurais no Estado, em horários de intervalo dos trabalhadores, para fins de mobilização e de verificação das condições de trabalho, durante 120 dias no ano.
A Califórnia é o Estado que tem as leis laborais mais protetivas dos EUA, sendo o único dos EUA que possuía esse tipo de norma, bastante comum na Europa, e cujo princípio subjacente de liberdade de articulação e comunicação com os trabalhadores também é reconhecido pela OIT.
A empresa agrícola recorrente sustentou que a lei estadual californiana violaria a cláusula da Quinta Emenda que proíbe desapropriações para fins públicos sem justa indenização. A Suprema Corte tem jurisprudência em que distingue a utilização secundária da propriedade privada pelo Estado, para fins regulatórios de atividades econômicas (por exemplo, para passagem de oleodutos ou cabos aéreos de energia elétrica), da despropriação em si (per se). A decisão não surpreendeu pelo placar, seis votos a três em linhas ideológicas (como tem acontecido em quase todas as questões trabalhistas relevantes), mas pela afirmação bastante questionável, no voto prevalente do Presidente Roberts, de que a entrada dos sindicalistas em propriedades rurais, autorizada por uma lei estadual, equivaleria a uma desapropriação “per se”, o que se mostra contraditório à propria jurisprudência da Corte no caso Pruneyard Shopping Center v. Robins (1980), quando declarou constitucioal decisão da justiça californiana que permitiu a militantes estudantis solicitarem assinaturas de consumidores em um centro commercial privado.
A decisão da Suprema Corte no caso Cedar Point Nursery sinaliza de forma clara que os três juízes indicados durante a administração Trump devem se alinhar ao bloco conservador hostil à expansão de direitos trabalhistas e sindicais, o que pode prenunciar futuros conflitos com a pauta pro labor do Presidente John Biden.