
O israelense Guy Mintus, 29 anos, é um pianista hipnótico, cujo reconhecimento fora do seu país estava restrito, até bem recentemente, a músicos e jazzófilos que o ouviram durante os sete anos que passou em Nova York. Em 2017, ele mesmo produziu e editou, em trio, o seu CD de estreia, A Home in Between, que mereceu ótimas referências em breves resenhas de publicações especializadas (Downbeat, All About Jazz).
Agora, neste fim de ano, o mesmo reviwer da AAJ, Troy Doster, é pródigo em aplausos ao comentar o novo disco de Mintus, intitulado A Gershwin Playground, lançado nesta semana pela exigente etiqueta Enja, sediada em Munique. Nos seguintes termos: “Ele emprega a sua técnica estupenda e uma abordagem camaleônica num álbum inteiro de standards de Gershwin – incluindo uma versão em tour de force de Rhapsody in Blue (…). O resultado é um dos mais atraentes e irresistíveis lançamentos de 2020”.
As nove faixas da setlist foram gravadas, em janeiro deste ano, em Israel, pelo trio atual do pianista, integrado por seus conterrâneos Omri Hadani (baixo) e Yonatan Rosen (bateria). O líder mostra também seus dotes de vocalista em versões de canções de Gershwin muito populares, como a bem romântica Someone to watch over me (4m15) e Summertime (6m) – esta última recriada em tempo dobrado, com solo primoroso em scat singing.
Das peças puramente pianísticas interpretadas pelo trio de Guy Mintus as mais impactantes são: a de abertura, Let’s call the hole thing (5m50), um show de fluência técnica com intenso swing; a versão de 15 minutos de Rhapsody que, para o já citado Doster, é “uma perfeita balança entre devoção sincera ao original e a criatividade charmosa de Mintus”.
(Samples de A Gershwin Playground em: https://music.apple.com/us/
Racismo
Os assassinatos brutais de índole nitidamente racista ocorridos neste ano, em Minneapolis e em Porto Alegre, fartamente documentados, são provas irrefutáveis de que tais atos de barbárie inimagináveis ainda acontecem – nos Estados Unidos e no Brasil – em pleno Século XXI. E vale lembrar que lá nos States, até a década de 1960 (governo John Kennedy), o racismo era ainda legal no Big South, e até tolerado nos demais estados.
Nas liner notes do álbum acima comentado, Guy Mintus assinala que, em 1935, George Gershwin recusou-se a estrear Porgy & Bess na Metropolitan Opera House, em plena Broadway, porque o teatro ainda proibia “black performers” no seu palco.
Os jazzmen e jazzwomen negros foram os primeiros artistas norte-americanos a gravar em discos canções antirracistas, duas das quais particularmente pungentes: Black and blue, de Andy Razaf e Fats Waller, da década de 20, eternizada por Louis Armstrong; Strange fruit, de Abel Meeropol, obra-prima de Billie Holiday, de 1939, tendo como foco o corpo enforcado de um negro sulista pendente do galho de uma árvore.
Alguns versos de Black and blue: “What did I do to be so black and blue/ I’m white inside but that don’t help my case/ My only sin is in my skin”. (O que fiz para ser tão negro e triste? Sou branco por dentro, mas isto não me ajuda em nada/ Meu único pecado está na minha pele).
Alguns versos de Strange fruit: “Southern trees bear a strange fruit/ Blood on the leaves and blood at the root/ Black bodies swingin’ in the Southern breeze/ Strange fruit hangin’ from the poplar trees”. (Árvores do Sul suportam um estranho fruto/ Sangue nas folhas e sangue na raiz/ Corpos negros ao balanço da brisa sulista/ Estranho fruto pendente dos álamos).
Ouça a versão de Black and blue:
Ouça Strange fruit na versão original: