O lançamento, neste mês, de solo albums sem qualquer sustentação rítmica por dois ilustres saxofonistas tenores – JD Allen e Jon Irabagon – é um “sinal dos tempos”. Destes tempos de Covid-19 em que a reunião de dois ou três músicos em estúdio, mais a equipe técnica, é considerada “aglomeração” a ser evitada.
É bem verdade que o imortal Coleman Hawkins (1904-1969), o “avô” do saxofone tenor no jazz, gravou, em 1949, Picasso, célebre solo de três minutos sem acompanhamento, baseado em Body and soul, que J.E. Berendt (The Jazz Book, 1981) comparou, em termos de “vitalidade e linearidade barrocas”, à “chacona” da Partita em Ré Menor para violino de Bach. E lembre-se que Sonny Rollins (no tenor), Eric Dolphy e Anthony Braxton (no alto) e Steve Lacy (no soprano) fizeram também marcantes discos solitários.
Mas voltando aos dias que correm, vamos começar falando de Queen City, o décimo CD para o selo Savant de JD Allen, 48 anos, e no auge da carreira. São 13 faixas num total de 40 minutos, das quais apenas três standards: Three little words (2m55), Just a gigolo(3m20) e These foolish things (3m40). E não vai ser fácil reconhecer referências mais abertas às melodias destas três canções nas reflexões do tenorista.
Como está muito bem expresso nas notas do álbum: “Há um senso real de confronto entre Allen e seu sax e, por extensão, os ouvintes, o que torna a experiência única. Não que Queen City seja uma severa obra de abrasiva avant garde. Pelo contrário, há linguagens musicais diversas e um largo espectro de emoções. Melodias de beleza encantadora se alternam com frases angulares, agressivas, exprimindo frustração, raiva, esperança, amor e aceitação, no que pode se tornar uma das gravações mais pessoais e reveladoras destes tempos de Covid-19”.
Dos originais de JD Allen, aqui vão dois bons exemplos das suas especulações melódico-harmônicas: a faixa-título (3m50) e Nyla’s sky (2m45):
Já Jon Irabagon – nascido em Chicago há 42 anos, de pais filipinos – gravou o álbum solo Bird with Streams (Irabbagast Records) de forma e modo bem diferentes. Um vôo cancelado no pico da pandemia, em março do ano passado, deixou-o com a família ilhado na Dakota do Sul. Ou melhor, cercado pela esplêndida natureza da Black Hills National Forest.
Assim é que Irabagon – que começou a carreira depois de ganhar a Thelonious Monk Jazz Competition de 2008 – resolveu fazer um verdadeiro retiro no cânion de Falling Rock. E, durante meses, dedicou-se a gravar solos no seu sax tenor, no “palco” da natureza, a partir de temas de Charlie “Bird” Parker. E nem “apagou” do material gravado os pios dos pássaros verdadeiros e outros eventuais ruídos do environment.
As 15 faixas selecionadas têm durações variando entre 1m30 (Anthropology) e 5m40 (Quasimodo). E valem especial audição: Bebop, Ornithology, Blues for Alice, Donna Lee, Moose the Mooche e a já citada faixa mais longa. Todas avançando do bebop parkeriano para as sheets of sound de John Coltrane e/ou os comentários ainda mais free à la Ornette Coleman.
O saxofonista Irabagon anotou: “Você tem em suas mãos apenas um dos resultados desses experimentos solitários (…) O centenário de Charlie Parker veio durante a minha estada em Falling Rock; sua música e suas ideias estavam borbulhando na minha cabeça. Este álbum representa uma luta contra a natureza viral e atmosférica. A gravação deste disco foi a minha tentativa de crescer e aprender enquanto o mundo tinha ficado doido e perdido a cabeça”. )
(Ouvir Bebop em: https://www.wbgo.org/music/
(Ouvir outras faixas em: https://jonirabagon.bandcamp.
Jazz Masters 2021-2022
A National Endowment for the Arts (NEA) anunciou nesta última terça-feira (20/7) – como faz desde 1982 – os novos Jazz Masters. São eles: o saxofonista alto Donald Harrison, Jr., 61 anos; o baterista Billy Hart, 80; a vocalista Cassandra Wilson, 65; o baixista Stanley Clarke, 70. Os quatro serão celebrados com um concerto e uma cerimônia, em 31 de março do próximo ano, no SFJAZZ Center, em San Francisco. Cada um vai receber também um prêmio de 25 mil dólares.