Pedro Dutra
Advogado
Ao prolatar o seu voto na sessão plenária de 16 de setembro, o Ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União, com a elegância e a cordialidade que o distinguem, referiu-se expressamente ao livro que vimos de publicar: O Soberano da Regulação – o TCU e a Infraestrutura. Embora discordando da tese do livro e da dura crítica que ele faz à atuação do Tribunal, o Ministro ressaltou a seriedade do trabalho e o rigor da pesquisa que o informa. E, mais importante, afirmou que a competência do TCU, que faz o objeto central do livro, deve ser matéria de debate.
Em nosso entender, não é o TCU órgão de controle externo, e sim órgão de fiscalização da execução do orçamento federal, que atua em auxílio ao Congresso, este sim órgão de controle externo da Administração Pública. Assim diz a Constituição textualmente, nos artigos 70 e 71, que definem a competência do Congresso e a competência do TCU, respectivamente. A regra contida no artigo 1º, da Lei 8.443/92, que disciplina a atuação do TCU e o nomeia “órgão de controle externo”, não se sobrepõe à regra constitucional, alterando-a. O TCU não é órgão de controle externo porque a Constituição não quis, razão pela qual o art. 1º, da Lei 8.443/92, é claramente inconstitucional.
Nenhuma norma constitucional ou lei ordinária atribui ao TCU poderes para rever o mérito de atos administrativos expedidos por agências reguladoras. Tampouco, há norma que atribua ao Tribunal competência para ditar às agências reguladoras comandos que alcancem, inclusive, agentes privados. O art. 71, da Constituição, limita a competência do Tribunal exclusivamente ao exame da legalidade e regularidade da execução do orçamento federal. Não há, nesse artigo, nenhuma referência ao exame da legitimidade e economicidade da ação regulatória. Portanto, não está o Tribunal habilitado a sancionar gestor público arguindo a prática de ato ilegítimo ou antieconômico. O art. 58, III, da lei 8.443/92, também é inconstitucional.
As normas infralegais - Instruções Normativas - expedidas pelo Tribunal de Contas da União exorbitam a competência desse órgão. O fenômeno não é novo. Pimenta Bueno e Antônio J. Ribas, no Império, e a seguir Pontes de Miranda, San Tiago Dantas e Seabra Fagundes, na República, denunciaram a tentativa de propagação de competência por mão própria, que tanto seduz órgãos administrativos. Não por acaso, o fundamento que o TCU majoritariamente refere em suas decisões busca amparar-se nas Instruções Normativas exorbitantes que ele próprio expede. A interpretação que o TCU faz de seu poder regulamentar (art. 3, da Lei 8.443/92) não é conforme a Constituição.
A referência feita pelo Ministro Zymler à necessidade de se debater a competência do TCU traduz o seu louvável respeito e apreço pelo diálogo acadêmico e profissional. O debate deve pautar-se necessariamente pela interpretação do texto constitucional. Este é fundamento e, ao mesmo tempo, limite ao exercício do poder estatal. Daí não haver, no estado de direito, amparo a poder estatal que pretenda legitimar-se com base nas consequências de suas decisões. Reagindo à trágica experiência do século XX, o direito não mais admite ação de órgãos do Estado que, embora bem-intencionados, excedam os limites que a Constituição fixou à sua atuação.