O tema Políticas Públicas logo remete ao leitor investimentos do Estado para a melhoria de serviços públicos tradicionais como educação, saúde e segurança, bem como os investimentos físicos para a construção do aumento do provimento de infraestrutura como rodovias, saneamento básico, aeroportos, portos etc. Neste sentido, surge o questionamento, somente produtos derivados do gasto público devem ser entendidos como Políticas Públicas? Sendo assim, as privatizações e as políticas de desinvestimentos também podem ser consideradas Políticas Públicas ou elas são apenas ações de desmonte do Estado?
O tema Políticas Públicas é encontrado na literatura e materiais disponíveis com diversas definições. Alguns entendem Políticas Públicas como as diferentes ações tomadas pelos governos – União, Estados ou Municípios –, seja com participação de órgãos públicos ou privados, para garantir serviços constitucionais. Outros entendem que o tema deva ser dividido em dois subtópicos, o político e o administrativo, sendo o primeiro encarado como o processo de decisão dos governos sobre diversos temas e o último como o conjunto de atos, projetos, programas e atividades executados pelos governos.
As Políticas Públicas, independentemente da interpretação teórica sobre o tema, têm por objetivo elevar o bem-estar da sociedade. Desta maneira, se atendo ao entendimento geral que Políticas Públicas são o arcabouço de projetos e iniciativas motivados pelo Estado para a melhoria do bem-estar da sociedade, há fortes indícios de as privatizações e ações de desinvestimentos dos governos fazerem, sim, parte deste arcabouço. Contudo, vamos averiguar.
Estratégia de Desinvestimento
O caso Brasileiro dos ativos imobiliários da União é perfeito para ilustrar por que Políticas de Desinvestimentos devem ser uma Política Pública prioritária do Estado Brasileiro. Segundo o Balanço Geral da União (BGU)[1], a União possui, aproximadamente 800 mil imóveis, com valor de R$ 1,34 trilhão, sendo este patrimônio dividido entre: “Bens de Uso Especial” (R$ 724 bilhões); “Bens de Uso Comum do Povo” (R$ 335 bilhões); “Bens Dominicais” (R$ 216 bilhões); “Bens Imóveis em Andamento” (R$ 56 bilhões); “Ativos de Concessão de Serviços” (R$ 12 bilhões); “Instalações” (R$ 5 bilhões); e “Outros” (R$ 3 bilhões).
Para se ter ideia do tamanho expressivo do patrimônio imobiliário da União, o valor do estoque imobiliário representa aproximadamente 18% do PIB do Brasil de 2020 (R$ 7,5 Trilhões), ou 50% do PIB Argentino, 660% do PIB Paraguaio, 450% do PIB Uruguaio ou 620% do Boliviano, considerando-se o mesmo ano. Os dados do BGU e a comparação com o PIB de diversos países da América do Sul evidencia que a União é o maior concentrador de terras do país.
Imóveis da União
O estoque expressivo de ativos imobilizados não é afrontoso somente pelo seu valor em si, mas também por demandar elevados esforços em termos orçamentários e de capital humano para ser administrado. A União gasta anualmente em torno de R$ 1,6 bilhão com manutenção desses imóveis e aluguéis e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) possui um quadro de aproximadamente 1.200 funcionários mobilizados para a prestação desse serviço. Mesmo com elevados gastos e equipe numerosa, mais de 10 mil imóveis da União estão desocupados, situação que acentua a depreciação dos ativos, que hoje situa-se em torno de R$ 18 Bilhões[2] por ano. Isto é, há um custo de oportunidade em manter os ativos imobiliários da União próximo de R$ 20 bilhões/ano, que representa 25% do orçamento executado da educação no Brasil em 2020.
Além dos elevados custos de manutenção, aluguéis e mão de obra, os imóveis desocupados da União normalmente encontram-se em situações de abandono, abrindo espaço, inclusive, para invasões e eventuais tragédias.
Um exemplo foi o ocorrido em 2018, quando o antigo prédio da Polícia Federal no centro de São Paulo, que estava irregularmente invadido, incendiou e desabou, gerando um estado de alerta sobre a existência de imóveis de propriedade da União em situações críticas.[3]
Desestatização
É diante deste dilema que Políticas Públicas de desinvestimento se tornam tão importantes e urgentes para o bem-estar da sociedade. Dessa maneira, a alienação do patrimônio da União não se trata do desmonte do estado, mas sim de uma reordenação das prioridades da Nação, contribuindo para a saúde financeira do Estado Brasileiro que viabiliza o emprego em gastos prioritários como Saúde, Educação e Segurança.
Mas esse processo de desinvestimento não é tão simples quanto parece. No serviço público tanto para comprar quanto para vender, é necessário que se utilize procedimentos regulamentados e transparentes. A Lei nº 13.240 de 30 de dezembro de 2015 dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos de investimento imobiliário (FII). Os FIIs são instrumentos financeiros interessantes para o enfrentamento do problema do excesso de patrimônio imobiliário da União, pois possibilita uma alienação em escala e confere segurança de que o patrimônio da União terá o seu máximo valor de mercado obtido através da precificação das cotas do fundo. Deste modo, uma vez que a União integraliza os seus imóveis em troca de cotas do FII, o imóvel deixa de ser público, portanto, a União aliena o ativo em questão e se torna apenas cotista do fundo com um patrimônio equivalente aos valores de integralização dos imóveis.
Fundo de investimento imobiliários
Uma das grandes vantagens em utilizar o mecanismo de FIIs para destinar o seu patrimônio é contar com profissionais especializados na gestão dos seus ativos, pois o FII nada mais é do que um condomínio fechado onde os seus integrantes compartilham do interesse comum em investir no mercado imobiliário. O administrador do fundo é o proprietário fiduciário e responsável pelo fundo, mas além do administrador, o FII pode contratar prestadores de serviços especializados como gestores, consultores imobiliários etc. Assim, o FII funciona de forma que gestores especializados criam estratégias para a valorização dos ativos, incorporando capital e destinando os ativos para os seus melhores usos.
Além da gestão especializada, a União transfere ativos ilíquidos subutilizados que geram elevados custos de manutenção e gerenciamento, e potenciais tragédias por ativos líquidos, de fácil gerenciamento e com baixo custo de carrego. É importante destacar que a integralização não ameaça o patrimônio público, pois, em termos comuns, a União está apenas trocando um ativo por outro e a decisão sobre a venda dessas cotas está a cargo, única e exclusivamente, da própria União.
A estratégia de utilizar FIIs para a alienação do patrimônio público não é novidade no Brasil, o estado de São Paulo foi o pioneiro nesta iniciativa, tendo criado o seu FII em 2018 com capital potencial estimado de R$ 1 bilhão e expectativa de monetização de R$ 360 milhões. Em 2021 foi a vez de Angra dos Reis aderir à política, sendo o primeiro município a criar um FII. Os casos de São Paulo e Angra mostram que os FIIs vêm ganhando bastante espaço nas administrações públicas brasileira, sendo um grande passo em direção ao aumento da eficiência da máquina pública, reordenando o senso de prioridade dos governos.
As iniciativas citadas tiveram um longo caminho legislativo para virarem realidade. No entanto, no caso da União a Lei º13.240/15 expressa que não é necessária autorização legislativa específica para a alienação dos seus imóveis, ou seja, a autorização legislativa já foi concedida pela própria lei. Assim, a União não possui barreiras legais para iniciar uma Política Pública que é urgente para o aumento da eficiência do Estado Brasileiro.
Assim, retomando o questionamento inicial se somente produtos gerados pelo gasto público devem ser entendidos como políticas públicas, podemos responder ao questionamento com um novo questionamento: Qual o ganho para a sociedade em manter R$ 1,34 trilhão em imóveis que poderia estar sendo utilizado para atividades essenciais para a população brasileira, ou seja, imobilizar 20% do PIB em ativos imobiliários é Política Pública?
[1] Publicado em 25/11/2020 (tesourotransparente.gov.br).
[2] A SRF n° 162/1998 da Receita Federal do Brasil determina que a taxa anual de depreciação de instalações e edificações são iguais a 10% e 4%, respectivamente. Para o patrimônio imobiliário da União foi utilizado 4% como referência na estimação. http://sijut2.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?&visao=original&idAto=15004.
[3] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/05/01/desabamento-do-predio-no-largo-do-paissandu-completa-dois-anos.ghtml.