Pandemia

Parceria público-privada e soluções consensuais em momentos de crise

Relações foram atingidas intensamente com a crise de saúde pública e os atos de reação dela decorrentes

Crédito: Pixabay

O reconhecimento da longevidade e da incompletude dos contratos de infraestrutura indica a necessidade de uma verdadeira relação de parceria entre as partes. As consequências da pandemia do novo coronavírus são, afinal, apenas mais um dos desafios que se colocam no horizonte de um vínculo contratual exposto às incertezas do futuro.

Contratos de vinte, trinta anos, certamente não seguiram à risca os termos alinhavados entre as partes. Os ciclos políticos se renovarão, os riscos se materializarão e novas situações imprevisíveis poderão ocorrer.

O sentido de “parceria” é, portanto, predicado para saídas consensuais. É verdade que a evolução das relações contratuais da Administração Pública conclama, cada vez mais, maior simetria entre direitos e deveres de cada uma das partes. A posição autoritária, impositiva, do Poder Público, vem cedendo frente ao reconhecimento de que é necessário ser convidativo e permeável aos interesses da outra parte.

A Administração Pública vem, cada vez mais, buscando posições dialógicas, transparentes e integrativas aos diversos interesses públicos e privados que se entrelaçam na concepção e modelagem desses projetos.

Neste sentido, para além da estruturação das condições originárias destes contratos, pensar em mecanismos de solução conjunta para épocas de instabilidades ou stress contratuais deve ser um exercício de reconhecimento dos espaços de construção de alternativas possíveis.

Os contratos de infraestrutura não devem, afinal, ser vistos como instrumentos estanques, engessados em suas previsões iniciais. A organicidade da vida (comprovada inclusive pela pandemia atual) deve ser refletida nas potencialidades desses tipos de ajuste.

Afinal, é importante reconhecer uma significativa diferença entre os contratos de infraestrutura (em especial as concessões e parcerias público-privadas, stricto senso) e os contratos de empreitada, próprios do regime da Lei nº 8.666/93. Ainda que, muitas vezes, haja uma replicação quase automática da lei geral de contratos administrativo, o exercício de constatação das essências distintas destes ajustes é fundamental para que não se enclausure as tantas oportunidades que os contratos de infraestrutura proporcionam.

Partindo dessas premissas, os Governos puderam se valer de seus contratos já vigentes como infraestruturas viabilizadoras de respostas rápidas à crise de saúde pública, embora tais providências trouxessem, consigo, uma discussão importante sobre os desequilíbrios causados aos contratos de infraestrutura. Foi o caso, por exemplo, dos hospitais de campanha construídos em arenas multiuso concedidas, como a Arena Pacaembu em São Paulo.

Se tal construção deve ser coletiva, uma vez que ambos – Parceiro Público e Privado – estão irmanados em um mesmo objetivo (contribuir para reforçar o combate à pandemia), as discussões do descolamento das projeções iniciais destes contratos com a realidade imposta, gerando desequilíbrios, também devem ser guiadas por um espírito colaborativo.

Diversas das relações firmadas entre particulares e o Poder Público foram atingidas intensamente com a crise de saúde pública e os atos de reação dela decorrentes (fatos da Administração). Foi preciso, contudo, preservar a continuidade dos serviços públicos e a execução dos ajustes público-privados.

Assim, ainda durante a crise, os Governos, sensíveis às dificuldades enfrentadas pelas concessionárias, sinalizaram aos parceiros privados o compromisso do Poder Público com as regras contratuais (especialmente com a contratualização do risco). Foi o que ocorreu, por exemplo, quando da emissão do Parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Infraestrutura, e, em âmbito estadual, da Agência Reguladora do Estado de São Paulo.

Mas, se de um lado, tal reconhecimento foi importante, a efetiva discussão sobre estes contratos, de forma a comprovar, mensurar e recompor eventuais desequilíbrios é um passo adiante, que ainda deverá ser adotado com todas as cautelas possíveis.

E, novamente, para a construção de alternativas, inclusive para o reequilíbrio econômico-financeiro, deverão ser envolvidas ambas as partes. Não existem soluções efetivas, neste momento, fora da consensualidade.

Mecanismos como conciliação, mediação e comitê de resolução de disputas despontam como espaços dialógicos de construção de respostas à crise[1]. É necessário, para isso, que haja procedimentos aptos a orquestrar como o caminho decisório será trilhado. De outro lado, é preciso que as partes estejam dispostas a abandonar pretensões individualistas, centralizando a busca por resultados comuns efetivos.

As consequências da insistência na aposta do litígio, afinal, não são apenas financeiras. Este parece ser um efeito lógico: como toda medida, haverá um custo de transação, ex post, em resolver a demanda decorrente da pandemia no poder judiciário. Mas a própria duração do litígio (e da solução, portanto) e o stress da relação contratual poderão colocar em prova a própria continuidade do serviço público e o atendimento das demandas sociais.

Para os parceiros privados, de outro lado, a judicialização não resolverá a demanda urgente que já está posta: a necessidade de disponibilidade de capital imediato para equalizar os descompassos havidos no fluxo de caixa. Assim, os espaços dialógicos, aberto a construção das partes, desponta como a melhorar aposta de ambas as partes.

No Brasil, iniciativas legislativas buscam ofertar novas opções ao gestor público, de forma a mitigar inseguranças em relação a proposições criativas, em especial a partir do temor em relação aos órgãos de controle[2].

Os contratos de infraestrutura, contudo, e os vetores que compõem essa relação de parceria, podem acomodar, tais soluções. Afinal, a busca pela eficiência, pela continuidade do serviço público e a consensualidade pavimentam o caminho para revisões estruturadas.

É possível se pensar, ainda, em protocolos setoriais, procedimentos formais a serem adotados pelas partes em cada nicho contratual, sem que haja determinação ex ante daquilo que deverá ser trilhado. É necessário, como dito, preservar o espaço do exercício criativo das partes.

De toda forma, estes protocolos, que poderão inclusive ser orientados pelos Tribunais de Contas (a fim de evitar posterior controle desproporcional dos atos dos gestores públicos), embora não devam, a princípio, participar do percurso negocial, sob pena de se transformarem em gestores públicos de segunda ordem.

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