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Pandemia e serviços públicos: licitações de concessões em modelo semipresencial

O momento pode ser de oportunidade para olharmos para o caos e prospectar

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Crédito: Pixabay

A pandemia do novo coronavírus ainda está entre nós. Embora a situação em diversas cidades e Estados tenha se abrandado, a adoção das medidas de prevenção permanece adequada e necessária.

Mas se, de um lado, um olhar acurado para as questões sanitárias é fundamental, de outro há uma premente demanda pela continuidade dos projetos estruturados pelo Poder Público – sementes plantadas no agora que surtirão efeitos na economia e na vida dos usuários em dias futuros.

A delegação de serviços a particulares requer, como se sabe, licitação: sessões públicas com a presença dos licitantes e de interessados, nas quais são recebidas as propostas e os documentos de habilitação para se chegar àquele que celebrará uma parceria de longo prazo com a Administração Pública.

Em tempos não tão distantes, ficaram famosas as fotografias do chefe do executivo sustentando um martelo à mão: sinal de que o processo competitivo havia sido bem sucedido, sagrando-se vencedora a melhor proposta. Neste momento, contudo, inviável se pensar em situação semelhante.

No deflagrar da crise, diante das restrições sanitárias, os Governos que tinham projetos já modelados, prontos para irem à rua, preferiram suspender as sessões de licitação. O ato foi prudente: além de atender as medidas preventivas orientadas pelas autoridades médicas, era necessário revisitar as projeções realizadas, sob pena de o projeto não se aderir à realidade que se impôs.

Passado o momento crítico, voltam-se, aos poucos, as sessões presenciais. Mas permanecem, sem dúvidas, os riscos inerentes à doença. É nesse cenário que é possível se pensar, como uma alternativa para a retomada do modos operandi anterior, em sessões semipresenciais para as licitações de projetos de concessões e parcerias público-privadas.

Nelas, a comissão de licitação atua presencialmente, em local previamente indicado no instrumento convocatório, em data e horário agendado, com transmissão virtual em tempo real, em link previamente disponibilizado, para quem queira acompanhar a sessão. Os licitantes, por sua vez, podem optar por serem representados presencialmente (através de representante devidamente credenciado na sessão presencial), ou por meio do envio de credenciamento em envelope, a partir do qual seria possível encaminhar link de participação exclusiva para seus representantes indicados.

Assim, embora a sessão permaneça pública e de amplo acesso – pilar essencial à transparência e à vigília social – os representantes das licitantes, que deverão participar ativamente da sessão (dando lances em viva voz, manifestando eventuais incorreções, etc), poderão estar virtualmente presentes, com franca liberdade para falar e serem vistos. É claro que, em todos os casos, deve ser endereçada uma preocupação específica com a segurança e estabilidade dos sistemas utilizados, com a vigilância de todo feixe de proteções de imagem e de dados dos envolvidos e do próprio Poder Público.

Se a pandemia impulsionou a utilização massiva da tecnologia, com a transferência de encontros presenciais para o ambiente virtual, o olhar para essa experiência bem sucedida deve ser prospectivo. Neste atual momento, a sessão semipresencial pode servir como uma alternativa às sessões que impõem a presença de todos os licitantes e interessados, mas também tem a potencialidade de apresentar novas formas daquilo que sempre se fez.

Afinal, se de fato a lei não estabelece um regime próprio para a concorrência (modalidade cabível às concessões e PPP’s) eletrônica, de outro modo não há qualquer impeditivo de conjugar o requisito presencial com as funcionalidades do acesso virtual. Quer se com isso dizer que, sob o prisma da legalidade estrita, não haverá nulidade.

E, ainda, em olhar ampliativo – próprio da superação de uma interpretação positivista – tutela-se de forma mais cuidadosa pela publicidade, concorrência e continuidade dos serviços públicos. Não haverá, de tal modo, interrupção do processo de contratação de projetos fundamentais à oferta de serviços e utilidades à sociedade.

O momento pode ser de oportunidade para olharmos para o caos e prospectar – afinal, a pandemia passará. E os aprendizados vivenciados neste período soturno poderão agregar muito aos procedimentos licitatórios.