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Infracast: Marcelo Ignatios fala sobre operações urbanas consorciadas em SP

Neste episódio, o convidado fala sobre financiamento da infraestrutura urbana com participação do mercado imobiliário

Isadora Cohen e Marcelo Ignatios - Superintendente de estruturação de projetos na SP Urbanismo. Imagem: Youtube Infracast

O poder público detém um valioso ativo imobiliário conhecido como “solo criado”, correspondente ao potencial construtivo regulado sob competência da gestão municipal, sempre com base em seu Plano Diretor e leis de uso e ocupação do solo. A todo e qualquer terreno urbano são determinados índices construtivos mínimos – abaixo dos quais o imóvel poderá se considerado subutilizado, básicos e máximos. São os conhecidos coeficientes de aproveitamento (CA).

Em São Paulo, desde o advento último Plano Diretor Estratégico aprovado[1] o direito de construir conferido aos terrenos de toda a cidade reserva de modo gratuito o equivalente a uma vez a área do terreno, ou seja, o CA básico é igual a 1,0. Está garantido ao proprietário do imóvel, sem a necessidade de pagamento de qualquer valor à municipalidade, apenas o correspondente à mesma área do lote em potencial construtivo, sendo que o adicional – quando houver, será passível de aquisição do poder público mediante contrapartida financeira até o CA máximo.

Cabe à administração municipal regular, com base em planos e projetos urbanísticos, a quantidade e a localização onde será ofertado – ou concedido – de modo oneroso este potencial construtivo adicional. Desse modo, também é de competência da Pasta de desenvolvimento urbano a definição do valor cobrado para acesso a esse terreno virtual.

Os atores privados que demandam estes insumos são tipicamente aqueles ligados ao setor imobiliário para o exercício de sua atividade: incorporações imobiliárias (residenciais ou não), construções institucionais, shopping centres, grandes equipamentos de varejo etc. Os recursos arrecadados com base na venda deste potencial construtivo adicional são alocados apartados da conta geral da Prefeitura, podendo estar no Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB), se obtidos através da outorga onerosa do direito de construir, ou nas contas específicas das operações urbanas consorciadas (OUC), quando auferidos a partir da venda dos CEPACs (Certificados de Potencial Adicional de Construção).

Para se ter uma ideia da crescente importância que este instrumento vem tomando nas contas públicas municipais, desde 2004 quando a contrapartida financeira em outorga onerosa passou a ser aplicada em toda a cidade, o FUNDURB já arrecadou e executou mais de R$ 3,5 bilhões, representando arrecadação média anual de R$ 300 milhões (em valores atualizados). Em relação aos investimentos do município seu peso alcançou 10% das receitas totais.

Analisando somente as operações urbanas, nas quais a aplicação da arrecadação obtida a partir da oferta pública de CEPACs está vinculada obrigatoriamente a seus perímetros específicos, o montante já alcançou a marca dos R$ 7 bilhões[2] nos últimos 20 anos.

Quando convertidos em investimentos na cidade, a destinação final de tais recursos terá natureza semelhante e adstrita ao campo do desenvolvimento urbano, visando a redução das desigualdades socioespaciais e a melhoria da qualidade ambiental. Objetivamente, fazem parte do rol de investimentos autorizados o incremento da infraestrutura de saneamento, de transporte e mobilidade (corredores de ônibus, novas ruas, manutenção de calçadas, pontes etc), a construção ou reforma de equipamentos públicos coletivos (escolas, praças, postos de saúde etc.) e, principalmente, a promoção de programas de habitação de interesse social.

Mas algumas diferenças importantes determinam a vocação e o papel urbanístico da venda deste potencial construtivo se estes estiverem ou não determinados por perímetros específicos de Projetos de Intervenção Urbana (PIU) ou OUC. Na primeira situação, de alcance geral na cidade, a contrapartida financeira é definida por uma planta oficial de valores[3] e é paga exclusivamente à Prefeitura, sendo sua aplicação de caráter redistributivo – a arrecadação ocorre com maior profusão nas áreas nobres e o investimento nas mais carentes –, discricionário ao gestor público. Nas demais situações, onde ocorrem leis supervenientes ao zoneamento, o potencial construtivo é escriturado na forma de títulos mobiliários, e seus preços negociados em balcão do mercado de capitais ou através da compra direta entre privados, no mercado secundário; os recursos são vertidos para o programa de obras previamente definidas nas leis específicas.

Tabela 1: dinâmica da oferta potencial construtivo adicional e incidência da aplicação de seus recursos financeiros

  outorga onerosa (OODC) CEPAC (operações urbanas)
APLICAÇÃO em toda a cidade perímetro específico
INCIDÊNCIA redistributiva concentrada
NEGOCIAÇÃO diretamente com prefeitura oferta pública ou livre mercado
VALOR definido por tabela leilão público
INVESTIMENTO Discricionário ao gestor público predefinido por projeto específico
ESTOQUE MÁXIMO limitado apenas ao lote limitado ao lote e ao projeto específico

O efeito, em ambos os casos, mas com diferentes medidas, é a divisão de parte do valor do imóvel entre o proprietário e o poder público. Ou seja, a partir surgimento da regra que definiu que todo local da cidade onde se pretender edificar acima do CA básico demanda aquisição do potencial construtivo da Prefeitura, passa a existir uma interferência no preço da terra: seu titular não detém mais a totalidade de seu valor econômico, pois uma fração deste sempre está sendo requisitada pela Administração, com vistas a seu retroinvestimento na cidade.

Tal situação vem se consagrando no Brasil, desde o Estatuto da Cidade[4], e em São Paulo esta já está consolidada desde as primeiras operações urbanas criadas no início dos anos 1990, através das quais, em perímetros específicos, vêm sendo implantados seus respectivos projetos urbanísticos. Prova disso que em novembro de 2019 ocorreu a mais recente oferta pública de CEPAC da OUC Faria Lima, que está com seus estoques praticamente exauridos, alcançando ágio de 160% em relação ao valor na abertura do leilão, atingindo o impressionante preço de R$ 17.601 (numa 1:1, o equivalente a 17.601 reais por metro quadrado), encerrando captação de R$ 1,7 bilhão.

Para 2020 a Prefeitura ainda programa a realização da 6ª distribuição de CEPACs da OUC Água Espraiada[5], após 8 anos sem novas ofertas públicas, objetivando alavancar recursos para produção de habitação de interesse social (HIS) e conclusão das obras de infraestrutura em curso, previamente definidas em sua lei.

Neste sentido, de um jeito ou de outro, generalizado para toda a cidade ou concentrado aos projetos específicos, o manejo da ferramenta do “solo criado” através da caracterização do potencial construtivo adicional com a participação vigorosa dos agentes privados, vem se demonstrando como a principal forma de financiamento dos investimentos urbanos, apresentando fluxo de arrecadação constante, em montantes previsíveis e de incidência não vinculada (discricionária).

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[1] Lei 16.050/14

[2] Considerando as Operações Urbanas Água Branca (Lei 11.774/1995) e as Consorciadas Água Espraiada (Lei 13.260/2001) e Faria Lima (13.769/04)

[3] Valor de Cadastro de Terrenos para cálculo da Outorga Onerosa (16.050/14, Quadro 14)

[4] Lei Federal 10.257/01

[5] Conforme fato relevante publicado no Diário Oficial da Cidade no 15 de setembro de 2020