História

ExCelso: A irritação dos militares com os termos judiciais

O “sob vara” de hoje é o “advirto” de ontem

Ribeiro da Costa ao sair de audiência com Castelo Branco. Fonte: Jornal do Brasil

Passados exatos 55 anos, o linguajar dos ministros do Supremo provoca protestos dos militares. O ministro Celso de Mello, a pedido da Procuradoria-Geral da República, determinou que fossem ouvidos como testemunhas os ministros e generais Luiz Eduardo Ramos ( Secretaria de Governo), Augusto Heleno Ribeiro Pereira ( Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) e Walter Souza Braga Netto ( Casa Civil). Eles falarão na investigação aberta para apurar as imputações feitas pelo ex-ministro Sergio Moro sobre a conduta do presidente Jair Bolsonaro numa suposta tentativa de interferência na Polícia Federal e em investigações em curso no STF.

Por serem ministros de Estado, eles têm a prerrogativa de definir data e local dos depoimentos. Mas o ministro Celso de Mello advertiu – e essa foi a palavra que usou – que, se os generais não prestassem o depoimento na data e horário definidos, poderiam ser conduzidos coercitivamente ou “debaixo de vara” para prestarem as informações no novo dia marcado.

A possibilidade de sofrerem uma “condução coercitiva” ou de serem levados “debaixo de vara” incomodou os militares, que viram os colegas de farda serem tratados como se bandidos fossem.

A redação que incomodou os militares hoje também incomodou os generais em 1965.

Naquele segundo ano de ditadura, o Supremo julgou um habeas corpus em favor do governador cassado de Pernambuco, Miguel Arraes. Era investigado e processado pela Justiça Militar. O Supremo julgou que ele deveria, se fosse o caso, ser investigar pela Justiça Comum. A Justiça Militar, portanto, não tinha competência para processá-lo.

Mas os militares não concordaram com a decisão. O então presidente do Supremo, Ribeiro da Costa, recebeu em sua casa um telegrama do chefe do Estado Maior do Exército, general Édson Figueiredo, dizendo que Arraes permaneceria preso “face solicitação encarregado IPM existente este Exército”.

Ribeiro da Costa, também por telegrama, respondeu. E uma palavra provocou uma celeuma para além do cumprimento ou não da decisão judicial. “Advirto ser implícito no dever disciplinar o acatamento às ordens emanadas de superior hierárquico. É expresso na Constituição e na lei ordinária assegurar a execução de decisão Judiciária, sob pena de responsabilidade. Sua comunicação telegráfica implica no descumprimento da concessão, pelo STF, do habeas corpus determinando a imediata soltura do paciente Miguel Arrais (sic) de Alencar. Tenho por intolerável sua interpretação restritiva à soberania do Poder Judiciário. Acate pois, aquela decisão tal como lhe foi comunicada”, afirmou o presidente do STF no telegrama.

O “advirto” provocou reações entre os militares. Quem era o presidente do Supremo para impor uma advertência a um general? O presidente da República, Humberto Castelo Branco, que já estava em tratativas com o STF para resolver o impasse sobre a liberdade de Arraes, pediu a Ribeiro da Costa que cancelasse o telegrama. O presidente do Supremo negou-se, fazendo ver o presidente da República a necessidade de se cumprir a decisão.Arraes foi, afinal, colocado em liberdade. Mas o “advirto” virou caso à parte. Castelo Branco enviou comunicação ao ministro interino da Guerra, Décio Palmeira, determinando que fosse desconsiderada a “nota disciplinar” imposta pelo presidente do STF contra o general Figueiredo.

Naquele mesmo dia, Costa e Silva reassumiu o cargo de ministro da Guerra, que também não engoliu o “advirto”: “Os dignos militares que dirigiram e dirigem os IPMs não mereciam e não merecem as censuras nem as advertências que lhes foram e serão feitas, com quebra, inclusive, de todas as normas hierárquicas com que se devem caracterizar as autoridades dos três Poderes nas suas recíprocas relações”.

Castelo Branco precisou novamente intervir para acabar com a crise, chamando Ribeiro da Costa para um encontro no Palácio do Planalto. Após 40 minutos de audiência, aproximadamente, Ribeiro da Costa sai do gabinete e é fotografado com largo sorriso, dizendo que aquele era um “fato auspicioso”.

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  • A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna será publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao atual decano, Celso de Mello, que, pela função e temperamento, funciona como a memória do tribunal. Quem assiste às sessões já se acostumou às suas referências que, não raro, vão até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.