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Em clima de Justiça

O pêndulo dos extremos de cheia e seca no rio Negro no Amazonas

Solução para um cenário extremo como esse passa por ações conjuntas e acordos entre países e governos

Newton Coelho Monteiro
10/10/2023|05:00
seca rio negro
Seca no lago Tefé, no Amazonas, em setembro de 2023. Crédito: Planet Labs

Em meados de 2005, foi registrado no estado do Amazonas uma estiagem sem precedentes, que sucedeu em uma grande mortandade de peixes, botos e jacarés em diversos rios e lagos. Embarcações encalhadas, municípios e regiões isoladas resultaram em um grave cenário de desabastecimento com falta de medicamentos, combustível e alimentos por todo o interior do estado.

Situação que se repetiu de forma ainda mais severa em 2010, quando a régua que mede o nível do rio Negro, localizada na capital, Manaus, marcou o recorde mínimo de 13,76 metros de profundidade, superando a seca de 1963, quando registrou apenas 13,64 metros.

Curiosamente, a mesma régua vem registrando, na última década, as maiores enchentes de toda a série histórica: começando em 2012, com 29,97 metros; 2021, com o recorde de 30,02 metros; e por fim 2022, com 29,75 metros, sendo essa a quarta maior cheia do rio Negro, e que antecede a seca deste ano – no momento da redação deste texto, marca o nível mínimo de 14,79 metros, figurando entre as 10 maiores secas da série histórica. 

Tabela: Cheias e vazantes registradas pela régua do Porto de Manaus

Pos. Ano Cota Máxima Enchente (m) Data Ano Cota Mínima Vazante (m) Data
2021 30,02 16/jun 2010 13,63 24/out
2012 29,97 29/mai 1963 13,64 30/out
2009 29,77 01/jul 1906 14,2 13/nov
2022 29,75 22/jun 1997 14,34 04/nov
1953 29,69 09/jun 1916 14,42 07/out
2015 29,66 29/jun 1926 14,54 12/out
1976 29,61 14/jun 1958 14,74 18/out
2014 29,5 03/jul 2005 14,75 25/out
2019 29,42 24/jun 2023 14,79 06/out
10° 1989 29,42 03/jul 1936 14,97 29/set

Fonte: Porto de Manaus

Fica evidente que, nos últimos 20 anos, a régua do rio Negro vem registrando um grave sintoma de desequilíbrio nos níveis das cheias e secas dos rios no Amazonas. Onde antes havia um equilíbrio são observados, nos anos mais recentes, níveis cada vez mais extremos. É como um pêndulo, que ao invés de dissipar a energia, diminuindo o movimento, a acumula, balançando com mais força e violência, criando cenários cada vez maiores de enchentes e secas como consequência. 

Os rios no Amazonas não são somente meios para o abastecimento de água, são também importantíssima fonte de alimentos, assim como vias de locomoção e acesso das cidades e comunidades, sendo, em grande parte, o único caminho. De modo que o envio de água potável, mantimentos e socorro é severamente comprometido nas grandes estiagens, o que torna o cenário das secas ainda mais desafiador.

Junto com o isolamento ocasionado pelas secas, temos ainda a grande mortandade de animais, não somente pela baixa do nível dos rios, mas também pela baixa oxigenação que, combinada com aumento significativo da temperatura da água, vai praticamente cozinhando os peixes, anfíbios, répteis e mamíferos aquáticos. Logo, os grandes e largos rios dão lugar a poças de lama e pequenos canais, com forte fedor de putrefação, atraindo moscas e vetores de diversas doenças, agravando ainda mais o cenário das populações que ficam isoladas.

Neste ano, a situação mais grave está no município de Tefé, a 521 km de Manaus. Com base nas imagens do satélite Planet, é possível notar que, em pouco menos de um mês, as margens do Lago de Tefé chegaram a recuar aproximadamente 2,5 km. A distância entre as margens esquerda e direita reduziu de 6,8 km para 4,1 km. Regiões do lago antes submersas pelas águas agora estão completamente expostas ao forte calor do verão amazônico.

seca no amazonas Distâncias calculadas a partir do sofware QGIS (Fonte: BBC/Planet)

Como resultado, foi registrada na região a morte de mais de 125 botos e milhares de peixes, assim como barcos de pesca e transporte de mercadorias encalhados, surgimento de bancos de areia em áreas antes submersas. Situações que têm dificultado a vida e o deslocamento da população local e ribeirinha, e que compõe um cenário alarmante, diante de ondas de calor que afetam não somente a região, mas todo o país.

As causas desse cenário são a soma de diversos fatores – um dos principais é o aumento da temperatura das águas do oceano Atlântico, que, em condições normais, traz umidade para a região amazônica. Contudo, com a alta temperatura das águas atlânticas, ocorre a baixa umidade em toda a Amazônia. Somado a isso, temos o El Niño, que é o aquecimento periódico das águas do oceano Pacífico, cujo resultado está na redução das chuvas na região. A combinação desses dois é o ingrediente necessário para que tenhamos fortes ondas de calor e secas nos últimos anos.

Vale ressaltar que o aquecimento das águas no Atlântico é um fenômeno recente, associado ao acúmulo de gases do efeito estufa, que vem atingindo níveis sem precedentes nas últimas décadas. A temperatura das águas no Atlântico chegou a atingir 1ºC acima da média histórica, segundo relatórios da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), a agência dos Estados Unidos para oceanos e atmosfera. Neste ano, a temperatura bateu recorde, chegando ao novo máximo de 24,9ºC.

Os regimes de chuvas e secas são o que, tecnicamente, chamamos de sistemas abertos, nos quais fatores externos, como massas de ar e umidade, vindas de outras regiões do globo têm grande influência. 

Embora imponentes e majestosos, os rios amazônicos são resultado de um delicado sistema climático, que se estendem por fronteiras muito além do bioma Amazônia. Por isso, muitas vezes, a solução para um cenário como esse passa por ações conjuntas e acordos entre países e governos, que, se insistirem em ignorar as mudanças climáticas, trarão consequências cada vez maiores, com recordes de secas, cheias e temperaturas.  

Antes de encerrar este texto, vamos voltar ao exemplo do pêndulo. Imagine o seguinte cenário: ao soltá-lo sob condições normais, nosso pêndulo irá balançar, perdendo energia até parar, depois de algum tempo. Porém, em nosso experimento, vamos adicionar ao cenário hipotético pequenos empurrões a cada balanço, representando as chuvas, as estações do ano e as massas de ar vindas do Atlântico. Logo, nosso pêndulo das cheias e secas sempre balançará dentro de um limite.

De tempos em tempos, adicionaremos um empurrão mais forte, em virtude da grande entrada de energia do El Niño. Agora, nosso pêndulo terá períodos de pico em seu movimento. Depois, volta à normalidade, balançando dentro dos limites. 

Portanto, em um período mais longo observando nosso pêndulo das cheias e secas, veremos o seu balanço natural com picos, em virtude do El Niño. Mas agora vamos adicionar, a cada balanço, mais um pouco de força em nosso empurrão, que vai crescendo gradativamente, conforme o aumento da temperatura dos oceanos.

Como resultado desses pequenos acréscimos, com o tempo veremos nosso pêndulo balançar cada vez mais forte. Notaremos, também, que antes, após cada El Niño, o pêndulo voltava a níveis normais, mas agora, com os empurrões do acréscimo das temperaturas oceânicas, ele não consegue mais voltar ao balanço de costume, se agitando com mais força a cada ciclo de El Niño. Assim, fica evidente o impacto dos pequenos empurrões do aumento das temperaturas oceânicas, no balanço das secas e cheias dos rios amazônicos.logo-jota