e o brasil com isto?

Transição energética: oportunidades para o Brasil?

Para que o setor privado prospere neste processo, são fundamentais avanços na regulação e ação pública

transição energética
Crédito: Pixabay

O mundo passa por uma série de desafios que se sobrepõem: uma crise ambiental já em fase de emergência climática, um aumento da desigualdade e retrocessos sociais, riscos geopolíticos em meio a um retrocesso do multilateralismo, uma pandemia inacabada e novas possíveis crises sanitárias, uma tendência de reversão da globalização que pode se tornar irreversível nos próximos anos.

Estes desafios continuarão a provocar inseguranças e a aumentar a pressão por transições forçadas. Neste contexto, promover o desenvolvimento requererá entender a direção dos ventos, saber quando se deve remar a favor ou contra a maré, desenhar e implementar estratégias envolvendo distintos atores. Esta coluna pretende refletir sobre estes temas. Este primeiro texto, assinado com Roberto Alvarez, diretor do GFCC, trata sobre um inadiável tema: a transição energética.

Há um horizonte enorme para inovação em energia e é nisso que a Europa, os Estados Unidos, a China, o Japão e outros apostam. A energia do futuro será limpa (descarbonizada), em grande parte gerada de forma distribuída e digital – isto é, habilitada pelo uso de tecnologias digitais para o controle e ajuste da demanda e oferta em tempo real nos sistemas de geração, distribuição e transmissão. A cidade do futuro será elétrica, assim como a mobilidade urbana e nacional. As matrizes energéticas serão mais plurais, combinando diferentes fontes de geração. No médio e longo prazo devemos esperar avanços até mesmo na fusão nuclear, a fonte sustentável definitiva.

Poucos países podem beneficiar-se desta transição como o Brasil. Nas últimas décadas no país, expandiu-se rapidamente a geração solar e eólica – aproveitando-se de um avanço da tecnologia para além das expectativas de muitos observadores qualificados. Em 2022, a capacidade de geração eólica chegou a 21 GW de potência instalada, enquanto a solar atingiu a marca de 14 GW, igualando a usina de Itaipu.

Com uma matriz energética sustentável, uma larga experiência com energias limpas e uma história de empreendedorismo no setor, “esverdear” ainda mais e modernizar a matriz energética pode ser parte fundamental para um novo eixo de crescimento, de geração de emprego, e desenvolvimento para a economia brasileira.

O Brasil principalmente pode e deve combinar transição energética com inovação – aliás, só poderá ter sucesso na primeira se avançar na segunda –, aproveitando os novos modelos descentralizados e digitais para energia que estão surgindo. E deve ousar na produção de novos combustíveis – como por exemplo o biogás, que já está crescendo muito no país, e o hidrogênio verde, que apresenta enorme potencial para a exportação –, especialmente depois que a invasão russa à Ucrânia ampliou o desejo, sobretudo na Europa, de aumentar sua segurança geopolítica sem reverter o esforço de descarbonização.

Para isso, o país precisa ter estratégia, planejar, desenvolver tecnologias, promover, agregar projetos, e transformá-los em parte de um programa articulado de desenvolvimento – conectando ciência e tecnologia, diplomacia econômica, inserção internacional, formação da força de trabalho, avanços na regulação e assim por diante. Precisará atacar simultaneamente dois grandes gargalos: a geração de pipelines de projetos de empreendimentos de energia e a promoção da inovação em tecnologias e modelos de negócios.

No passado, as estatais predominaram no desenvolvimento de tecnologia e soluções para energia no Brasil. Este é um novo momento. O país tem empreendedores e empresas resilientes que podem levar adiante uma nova fase de desenvolvimento do setor, com mais empreendimentos voltados para o futuro, de forma conectada com o mundo.

Paradoxalmente, para que o setor privado brasileiro prospere neste processo, são fundamentais avanços na regulação e na ação pública. Há que se reconhecer que, no primeiro caso, esses avanços foram promovidos, por exemplo, com a Resolução Normativa 482/2012 da Aneel que regulamentou a geração distribuída, permitindo a criação de novos mercados e o surgimento de novos empreendimentos focados em energias renováveis.

Mas há mais por fazer, como o aprimoramento e expansão da tarifa branca, habilitando a tarifação horária no futuro, que pode deslanchar uma nova era de inovação, dar mais liberdade aos consumidores e produtores, criar mercados e apontar para a digitalização da energia.

É especialmente importante evitar retrocessos, com escolhas que não obedecem a racionalidade econômica – como por exemplo a lei recente que mantém os incentivos à compra e geração de energia a partir do carvão. Evidente que o Estado deve atentar para o desenvolvimento e o futuro das economias locais – principal justificativa para a lei. Essa preocupação deveria, contudo, ser voltada para a construção de futuro, com foco na inovação, na transição dessas economias, no desenvolvimento de novas competências e na requalificação da força de trabalho.

Ainda é preciso aprimorar outro tipo de ação pública, voltada a mobilizar os empreendedores, nacionais e estrangeiros. E ela requer uma nova “conversa”, superando a verdadeira obsessão em atar as mãos do Estado. Parte dela se associa ao financiamento dos investimentos necessários. Aqui há desafios antigos e, mais especialmente, novos.

Por exemplo, investimentos no setor de energia historicamente se ligam à criação ou expansão de ativos capital-intensivos, com altos custos afundados (sunk costs) e de longo prazo de maturação dos investimentos e de retorno. A estes “velhos” desafios se somam os de financiar o setor de energia do futuro. Nele, grande parte dos investimentos necessários estão associados a projetos de menor escala, mas com enorme potencial de inovação e criação de empregos verdes. É o caso dos investimentos associados à energia limpa decentralizada, mas também nas áreas de digitação e conectividade, e inovação em tecnologias e processos.

Mesmo em países com sistemas financeiros sofisticados e integrados, é escassa a oferta de financiamento com prazos e custos apropriados. Os instrumentos de política, como os bancos públicos, e especialmente os de desenvolvimento, podem ajudar muito, como um estudo recente demonstra. Mesmo em economias desenvolvidas, estes bancos apoiam a originação e agregação de projetos em pipelines, e criam pontes para a captação de capital especializado, no mercado nacional e internacional. Mas também ajudam desenvolvendo instrumentos e mercados, pilotando modelos, e acelerando o crescimento do setor de finanças verdes. É preciso que tenham a capacidade (e o mandato) para entrar rápido quando as oportunidades se oferecerem e – o que é importantíssimo! – saírem quando os agentes e mercados privados começarem a suprir estas necessidades.

São em momentos de crises globais que muitos projetos individuais e nacionais foram lançados, e deles advieram caminhos de prosperidade depois admirados. Foi o caso dos Estados Unidos no começo do século passado, da Europa e do Japão no pós-Segunda Guerra, das novas economias emergentes asiáticas nos turbulentos anos 1980 e 1990. O Brasil já perdeu muitas oportunidades, mas agora tem mais uma chance de redefinir sua estratégia de crescimento e investimentos, e deslanchar um novo modelo de desenvolvimento. Em um momento de crise social e econômica sem precedentes, esta redefinição nunca foi tão imprescindível e urgente. Será preciso fazer escolhas. Escolher o futuro frente ao passado deveria estar no topo da lista.

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