Como primeira razão para negar a impressão do voto inserida na Lei 9.504/97, Fernando Neisser afirma que a impressora é a parte que mais apresenta problemas e que isso poderia tumultuar a votação. Além disso, o jurista entende que, quanto mais simples o equipamento for, melhor ele funcionará, sendo a impressora um canal para a entrada do que chama de “contaminações externas”.
Pois bem. Da mesma forma que a impressora pode apresentar problemas, a urna também pode. Ambas são eletrônicas, passíveis de contratempos. Se a urna não funciona ou para de funcionar, prejudica a votação. Se ocorre isso com a impressora, por ser um componente mais simples e que não condiciona a realização da votação, poderá ser facilmente trocada no momento, algo que não ocorre com a urna justamente pelos sistemas de segurança que ela possui. A urna é lacrada, é conferida, o que não precisa haver em uma simples impressora. Assim, trata-se muito mais de um problema logístico, o de haver impressoras extras. No entanto, se há qualidade no funcionamento e manutenção das urnas, o mesmo deve haver com as impressoras. Se os problemas com as urnas são mínimos, não há razão para se acreditar que isso aumentará com as impressoras.
Já no que se refere à entrada de “contaminações externas” pela impressora, sólidos conhecimentos em informática demonstram ser esta uma remota possibilidade. Impressora é um hardware, e tecnicamente, um vírus não atinge um hardware, embora teoricamente eles sejam atingidos, mas não diretamente. O que ocorre é que um vírus se aloja em algum ficheiro instalado dentro dos softwares desses hardwares, utilizando o sistema operacional como uma ponte. Ou seja, uma “contaminação externa” não virá pela impressora, mas por algum canal aberto no software¸ que estará dentro da urna eletrônica antes de ser conectada à impressora.
Porém, poder-se-ia pensar na hipótese de algum vírus vir em um ficheiro da impressora, fazendo com que ela tenha o seu funcionamento comprometido. Neste caso, basta uma correta formatação previamente às eleições com um programa antivírus, para que esta possibilidade seja eliminada.
Como segundo argumento, Neisser afirma ser impossível, no atual modelo de votação eletrônica, desembaralhar os votos emitidos por um eleitor, o que impede de saber a sua combinação. Com a impressão, o papel com a votação poderá ser acessado pelos candidatos que queiram verificar a regularidade das eleições, oportunizando a conferência do cumprimento da obrigação por parte do eleitor em caso de uma compra de votos. O jurista se utiliza de uma lógica peculiar para uma possível dedução do candidato de que o eleitor cumpriu a sua parte no ilícito ou não.
Para que o raciocínio do jurista pudesse ser realmente percebido na prática, o candidato teria que se utilizar de uma sofisticada estratégia para averiguar se a sua compra de votos foi concretizada, o que por si só não atende à realidade, pois a compra de votos é informal, muitas vezes planejada sem uma visão estritamente estratégica e mais presa aos costumes locais. Poder-se-ia cogitar esta situação de “dedução” de “combinação de candidatos supostamente incompatíveis” se fossem poucos, bem poucos, os casos. Agora, trata-se de um equívoco aplicar esta lógica ao atual sistema político, que carece de lógica ideológica. E se o eleitor quiser realmente votar nesta combinação tida como improvável, isso será indício de compra de votos? Uma combinação de opções incompatíveis tem mesmo o condão de demonstrar ao candidato que ele conseguiu comprar o voto do eleitor? Não parece muito palpável na prática.
Como forma de solucionar este problema, pode-se recorrer a um tamanho maior de urna que permita que o papel impresso não caia em sequencia.
Qualquer forma de conferência do voto envolverá muitas pessoas, da mesma forma que ocorre com alguma eventual tentativa de fraudar as urnas. Se Neisser entende que não há como eliminar riscos de tudo, este argumento também é aplicável aqui. Mais positivo é assumir um risco em favor da legitimidade do resultado do que em favor da falta de transparência.
Como terceiro argumento, o jurista entende que os erros humanos podem ser um grande problema. O autor não nega que esses erros existem e que sejam muitos, mas questiona qual será a reação do eleitor ao ver que se equivocou ao votar, o que não colabora à pacificação na sociedade e não aumenta a credibilidade no sistema. No entanto, ao admitir a existência de erros humanos no procedimento atual de votação, o jurista recorre ao que se denomina na Ciência Política e na Economia como “milagre de agregação”.
Este fenômeno foi muito bem descrito em uma polêmica obra de Brian Caplan, intitulada “The Myth of the Rational Voter: Why Democracies Choose Bad Policies” (O Mito do Eleitor Racional: Porque Democracias escolhem políticas ruins, Princeton University Press, 2007). Neste trabalho, o autor afirma que, devido às falsas concepções populares, as crenças irracionais e os vieses pessoais assumidos pelos eleitores comuns, eles terminam elegendo políticos que compartilham esses vieses ou que pretendem compartilhá-los, que resultam em políticas públicas ruins que novamente vencem pelo voto popular. Para fundamentar a sua posição, Caplan se utiliza da ideia de “ignorância racional”, alimentada pela imagem dos próprios eleitores de que o voto não tem o poder de provocar nenhuma mudança, o que faz com que eles optem por prescindir das eleições em contextos de votos não obrigatórios (o autor trata dos EUA). Ocorre que, ao invés de pensar de que a democracia funciona pobremente assim, Caplan entende que os erros não são sistêmicos, mas aleatórios, já que os eleitores optaram por não ter informação nenhuma e mesmo assim, emitem o voto, escolhendo no final alguma alternativa. É aqui que entra o princípio – ou milagre – da agregação, que é quando eleitores individuais possuem pouca informação, tornando seus votos aleatórios, mas que, se as eleições se fundamentam em escolhas agregadas de milhões de eleitores, mesmo que exista um alto nível de aleatoriedade no voto individual, o princípio da agregação assegura que os resultados ainda tenham sentido para todos os propósitos.
Este pensamento poderia ser considerado somente enfocando o ato do voto, mas talvez não fosse o mais adequado quando se trata de emissão de voto por meio de um dispositivo eletrônico. O erro aleatório do milagre da agregação se refere ao voto em si, e não a maneira como se vota.
Provavelmente haverá muitos casos em que o eleitor, ao conferir o seu voto e ver que errou, vai reagir. Sempre que o ser humano percebe que errou, pode escolher entre manter o erro ou consertá-lo.
Esta hipótese já constava na Lei 10.408/02 e segundo o Min. Nelson Jobim, após o teste realizado, muitos eleitores sequer conferiam o voto, o que para ele [simple_tooltip content=’Cf. CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. A lei nº 10.740 de 1º de outubro de 2003: o registro digital do voto, o fim do voto impresso e antinomia eleitoral. a urna eletrônica é segura?. Disponível em: < http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20080811143335.pdf> Acesso em 03 jun. 2016′]“fazia com que a impressão do voto fosse inútil”[/simple_tooltip].
Não há, na atual redação do art. 59-A da Lei 9.504/97, a possibilidade de o eleitor votar novamente, como havia na Lei 10.408/02. Trata-se de uma lacuna que deve ser resolvida antes da eventual implantação da impressão do voto. Contudo, qualquer que seja a solução para isso, o eleitor não pode ser obrigado a revalidar voto emitido equivocadamente e nem ter o seu voto anulado por causa deste erro. É direito dele votar no candidato escolhido. A opção de querer votar novamente ou anular o seu voto deve ser do eleitor. No atual modelo, o erro do eleitor é computado como correto, sem que ele saiba que errou e muito menos sem ensiná-lo a votar corretamente em outra ocasião. A democracia é também aprendizado, se o eleitor não sabe como vota ou vota errado sem saber, também é dever da Justiça Eleitoral melhorar a informação sobre como votar devidamente, para além de campanhas que são feitas a cada processo eleitoral. Para tanto, a ciência do eleitor sobre o erro em seu voto pode ser muito positiva para o aperfeiçoamento da própria democracia e até mesmo do sistema eletrônico de votação, pois se o número de erros detectados for grande, o problema pode estar no sistema, e não no eleitor. Manter a “ignorância” do eleitor diante de um erro seu é também permitir que a Justiça Eleitoral se esquive de seus deveres perante o desenvolvimento da democracia e a melhoria de sua qualidade.
Além disso, abrir a “caixa preta” da urna eletrônica provavelmente pacificará muito mais a sociedade em torno a este tema do que simplesmente negar que isso possa favorecer a credibilidade no sistema.
Quanto mais o TSE se nega a implementar medidas de auditoria de resultados, mais desconfiança haverá, o que não ocorreria se o Tribunal demonstrasse boa disposição em controlar a situação. A opção pela transparência pode gerar mais conflitos no início, mas sempre é mais favorável e mais vantajosa a longo prazo, pois seus frutos são amparados em uma democracia mais sólida e que inclui os cidadãos. Já a opção por negar o controle externo dos resultados das urnas eletrônicas pode controlar os conflitos sociais, mas a curto prazo, fazendo com que o eleitor se sinta um mero votante formal, que não importa como vote, se corretamente ou não, se informado ou não. Basta que ele emita o seu voto e legitime formalmente resultados rápidos, satisfazendo a ansiedade de saber quem são os vencedores do pleito. Isso só fomenta o descontentamento com a democracia.
Como ultimo argumento, Neisser afirma que não há falhas detectadas na urna eletrônica até os dias de hoje, já que as votações paralelas nunca indicaram diferenças nos votos. O que ocorre, segundo o jurista, é que votações apertadas provocam contestações, e que por isso o voto impresso é apontado como uma solução para a segurança do sistema.
Em primeiro lugar, não há como se garantir, e nem legitimar, o resultado das urnas por meio da votação paralela, que por si só é problemática. A votação paralela exige muito trabalho para ser realizada com o rigor necessário para garantir a sua eficácia, uma vez que nenhum padrão de procedimento pode ser adotado ou fixado fora da situação normal de votação. O teste somente pode ser realizado durante o período de votação, das 8 às 17 horas, ou seja, se uma das urnas sob teste for ligada depois das 9 horas do dia da votação, seu teste fica invalidado. Assim, devido às dificuldades e custos de implementação (em torno de 30.000 reais por urna) – novamente o fator econômico pesando no debate -, o TSE, responsável pela regulamentação desta votação, decidiu restringir a amostra de urnas com votação paralela, perfazendo um total muito pequeno para ser ilustrativo de sua eficácia.
Para se ter uma ideia, a metodologia de sorteio das urnas que serão acompanhadas de uma votação paralela consta na Resolução n° 23.458/15. Para as eleições de 2016, o art. 51 estabelece que, para a realização da auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas por meio de votação paralela, deverão ser sorteados, no primeiro turno, em cada unidade da Federação, os seguintes quantitativos de seções eleitorais, sendo uma delas obrigatoriamente da capital: I – três nas unidades da Federação com até quinze mil seções no cadastro eleitoral; II – quatro nas unidades da Federação que possuam de quinze mil e uma a trinta mil seções no cadastro eleitoral; e III – cinco nas demais unidades da Federação. O número de urnas aumentará em comparação com as eleições de 2014, já que em 2014 [simple_tooltip content=’Este número foi informado diretamente pelo TSE, mas conflita com o número informado no relatório de fiscalização elaborado pelo PSDB realizado após as eleições de 2014, que era de 68′]foram 66[/simple_tooltip] urnas e em 2016 a [simple_tooltip content=’Cálculo realizado pelo TSE a pedido da autora’]previsão é de que sejam 93[/simple_tooltip], mas ainda está longe do ideal para fundamentar uma afirmação absoluta de que não há falhas no sistema. Não há como assumir a impossibilidade de falhas no sistema a partir de 66 urnas com votação paralela (dados de 2014), em um [simple_tooltip content=’Cf. http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Outubro/tse-registra-3-186-ocorrencias-em-todo-o-pais. Acesso em 06 jun. 2016. O total de urnas com as reservas foi de 532.705′]universo de cerca de 494,9 mil[/simple_tooltip]. Seria ingênuo ou proposital garantir o resultado com tão pequena margem, aproveitando-se, quiçá, da ignorância racional da maioria dos eleitores.
Em segundo lugar, votações apertadas que ocorrem em um sistema blindado de verificação posterior será sempre contestado. O surpreendente é que não se admita a contestação diante da “perfeição” do sistema eletrônico de votação. Ou seja, o resultado e o seu processamento são tão perfeitos que é quase uma heresia contestá-los. Pois nada mais legitimador do sistema do que a confirmação de que uma contestação de resultado não tem razão na prática. No entanto, a postura irredutível da Justiça Eleitoral em adotar mecanismos de auditoria externa de resultados torna não só o debate maniqueísta (ou a favor ou contra a urna eletrônica), mas também aumenta ainda mais o conflito sobre o tema. Não há debate porque se sufocam as contestações, tidas como desarrazoadas e diretamente sem nenhum amparo, não se resolvendo a desconfiança que só aumenta a cada processo eleitoral.
Portanto, a meu ver, tais argumentos levantados por Neisser não são suficientes para demonstrar que o voto impresso não é benéfico.