
Quando o assunto é Tribunal de Contas da União (TCU), o real nem sempre corresponde ao legal. Há muitos indícios, vários deles destacados nesta Coluna, de que, ao menos desde meados dos anos 2000, ele vem agindo de modo peculiar. Exerce suas competências com criatividade, não raro criando para si, sem base constitucional ou legal direta, novas atribuições ou novos instrumentos de controle. A partir de visão não jurídica, o movimento tem lá suas razões e pode gerar alguns ganhos, embora nem sempre. Mas será compatível com o Direito?
Segundo o desenho constitucional, o TCU é órgão de controle multifacetado. Sua jurisdição é ampla: abarca todos que, dentro ou fora do estado, atuam como gestores públicos de recursos federais. Suas competências são variadas: da apreciação de contas do Presidente da República às auditorias de eficiência em estruturas e políticas estatais. E tem à disposição diversas ferramentas: produz estudos, faz representações, emite comandos, aplica sanções etc. Só que, em sua atuação real, o controle de contas tem procurado ir além disso. Como?
O TCU caleidoscópico, do mundo real, não parece ter paralelo na experiência internacional. É instigante estudá-lo. Pesquisas individuais são importantes, claro. Mas o trabalho de pesquisa coletivo é capaz de olhar crítico mais geral sobre essa instituição, tão complexa. O Observatório do TCU da FGV Direito SP + Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) tem procurado cumprir essa missão.
A Editora Almedina acaba de publicar a obra Tribunal de Contas da União no Direito e na Realidade, sob nossa coordenação, elaborado a partir de pesquisas do Observatório.
Parte do livro visa entender e sistematizar o perfil do tribunal enquanto instituição: quais são suas competências? Particulares contratados estão sujeitos à sua jurisdição? Há limites a seus poderes cautelares? Quais são suas possibilidades de controle no campo das auditorias operacionais? O que torna o processo no TCU peculiar? A pretensão de ressarcimento ao erário estaria sujeita a prescrição?
Outros capítulos procuram desvendar a interface do tribunal com o mundo da regulação.
Por exemplo, à luz da experiência do setor rodoviário, estaria o TCU se transformando em “regulador de segunda ordem”? De quais estratégias o tribunal estaria se valendo para participar da gestão pública? Seria a interpretação conforme de normas regulatórias uma delas?
A parte final do livro foca na compreensão do papel do TCU no controle das contratações públicas. Qual é o valor jurídico de decisões sobre irregularidade de contratos? Para prevenir desvios, pode o TCU antecipar indefinidamente o controle do processo de contratação pública? Estaria o tribunal impondo obstáculos à inovação em contratações públicas? Qual é a jurisprudência do TCU sobre acordos de leniência?
A diversidade de assuntos é retrato da vida cotidiana do tribunal e reflexo da sua dimensão e relevância prática. Os textos são unidos por denominador comum: são fruto de pesquisa empírica e têm compromisso com o Direito. Fica, aqui, nosso convite à leitura e ao debate.
O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça: