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controle público

TCU e a desistência em relicitações

Consulta não serve para declaração prévia de legalidade em temas de gestão pública

André Rosilho
21/06/2023|09:00
TCU
Crédito: Leopoldo Silva/Agência Senado

É juridicamente viável pôr fim a processo de relicitação em curso por meio da desistência da devolução de contratos de parceria ao poder público? A dúvida não é hipotética e deverá ser respondida pelo Tribunal de Contas da União (TC 008.877/2023-8).

A relicitação foi criada pela Lei 13.448, de 2017, para permitir a extinção antecipada amigável de contratos de parceria que se mostraram inviáveis e a posterior celebração de avenças em novas bases. O procedimento foi inventado para evitar a caducidade em massa de uma leva de contratos de concessão nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário celebrados a partir de modelagens equivocadas ou de propostas irrealistas.

Há vários processos de relicitação em curso. Contudo, em alguns deles concessionárias têm manifestado o desejo de “voltar atrás para seguir adiante”. Pretendem desistir da devolução das concessões — e, claro, repactuar os inviáveis contratos em curso. O pleito tem sido visto com bons olhos pelo poder concedente, que quer manter os contratos em vigor e, com isso, evitar percalços e custos inerentes a novas licitações.

Mas há uma pedra no meio do caminho. A lei condicionou o início do processo de relicitação à apresentação, pela parte contratada, de declaração formal quanto à intenção de a ele aderir “de maneira irrevogável e irretratável” (art. 14, § 2º, III).

Em face do obstáculo jurídico, ministros de estado resolveram bater à porta do TCU com uma consulta — procedimento que permite ao tribunal avaliar dúvidas em abstrato, desconectadas de casos concretos, e produzir entendimentos gerais cogentes para o poder público (art. 1º, § 2º, da Lei Orgânica do TCU).

O que se quer é obter do tribunal declaração prévia de legalidade de operação juridicamente arriscada. O aval do TCU, segundo se depreende do movimento, daria mais conforto às partes e criaria fato relevante a ser considerado pelo Judiciário caso viesse a ser provocado a se manifestar sobre a validade de eventuais acordos para desistência da devolução de contratos.

A consulta movimentou o corpo técnico do tribunal e dividiu opiniões. Ao fim, prevaleceu o ponto de vista segundo o qual, “após a assinatura do termo aditivo de relicitação, a administração (...) est[aria] vinculada a dar prosseguimento ao novo processo licitatório do ativo”. Os ministros não estão vinculados a esse entendimento.

O Executivo quer usar a consulta ao TCU para pavimentar solução de gestão pública. Mas o instrumento serviria a esse propósito?

A consulta existe para que o tribunal resolva dúvida sobre a “aplicação de dispositivos legais e regulamentares”. Contudo, há um limite: os dispositivos precisam se relacionar “a matéria de sua competência” (art. 1º, XVII, da Lei Orgânica do TCU).

Uma coisa, por exemplo, é o TCU responder a consulta relacionada ao conceito de restos a pagar na Lei de Responsabilidade Fiscal — assunto para o controle de contas. Outra, é o tribunal se manifestar sobre o sentido e extensão das expressões “irrevogável” e “irretratável” em lei de contratações públicas — assunto para o Judiciário.

A ampliação do escopo da consulta eventualmente pode resolver problemas de curto prazo. Entretanto, no longo prazo, tende a aprofundar a confusão de papeis e a crise de governança que se vive no Brasil.logo-jota